53 – “Uma das pobrezas mais profundas que o Homem pode experimentar é a solidão”. Esta solidão provém de um encerramento do Homem em si mesmo, fechando-se aos outros e a Deus. Na verdade, muita da pobreza (como já vimos) vem também desta mesma ausência de Deus. Por isso, o Homem apenas se constrói quando cria relações interpessoais com os outros e com Deus. Nesse aspecto, a solução para muitos problemas sociais poderia ocorrer simplesmente se a Humanidade aprendesse a viver em comunhão (constituindo uma verdadeira “família humana”) e se deixasse de rejeitar o significado transcendente e espiritual da sua necessidade de socialização. Só tornando-se como uma família, é possível à Humanidade construir uma sociedade que não absorva a individualidade de cada um (como, infelizmente, acontece em muitos regimes totalitários, alimentados por ideologias que se encerram em si próprias e rejeitam Deus).
54 – Para a constituição de uma verdadeira família humana, é bastante útil considerar o conceito teológico da Santíssima Trindade. Deus (que é a própria Trindade) é um só, e cada uma das Pessoas que constituem a Trindade é pura relação com as outras, através do Amor. É este o modelo que a verdadeira comunhão humana deve seguir.
55 – A religião cristã pressupõe um conceito metafísico de humanidade, em que a relação social é central. Várias religiões e culturas fomentam esse mesmo espírito, que é condição imprescindível para a Caridade na Verdade. Infelizmente, muitas religiões e culturas afastam-se desta Caridade na Verdade, afirmando-se apenas como fontes de bem-estar psicológico, gerando um certo individualismo religioso. Tal contribui para um maior isolamento das pessoas e, como tal, a uma diminuição da sua humanidade e, logo, do seu desenvolvimento. A globalização tem contribuído para disseminar estas formas de sincretismo religioso. Além disso, muitas culturas e religiões atentam mesmo contra a dignidade da pessoa humana. Por isso, é forçoso que se tenha em conta que liberdade religiosa não implica indiferentismo religioso (segundo o qual “todas as religiões são iguais”) mas, pelo contrário, obriga a uma maior responsabilidade e discernimento. O critério para avaliar a Caridade na Verdade é o serviço ao “homem todo e a todos os homens” (como sucede no Cristianismo, que é a religião do Deus feito homem).
56 – “A Fé necessita sempre de ser purificada pela Razão”, mas “a Razão também necessita sempre de ser purificada pela Fé”. Nesta Razão inclui-se também a razão política. Excluir a Fé do exercício dos deveres de cidadania empobrece a política e impede o desenvolvimento humano integral. A interacção social fica em risco. As motivações para a Caridade e para a Verdade desaparecem. Os Direitos Humanos são desrespeitados. Neste erro caem duas vertentes diametralmente opostas: o fundamentalismo religioso (que exclui algumas religiões da sua influência na esfera pública) e o laicismo agressivo (que exclui todas as religiões da sua influência na esfera pública).
57 – O diálogo entre Fé e Razão permite o nascimento da Caridade na colaboração dos católicos com todos os outros homens e mulheres de boa vontade (sejam estes crentes de outras religiões, sejam não-crentes). Todavia, a expressão desta Caridade deve sempre ser efectuada à luz do princípio da Subsidiariedade (ou seja, da liberdade e autonomia dos indivíduos e/ou das organizações intermédias em que os indivíduos livremente se associam). Deste modo, é de evitar todo o tipo de assistencialismo paternalista que sacrifique a liberdade individual ou que subestime a contribuição que cada indivíduo pode dar em prol do Bem Comum. Deste modo, embora o Bem Comum de uma sociedade globalizada implique uma autoridade mundial, esta deverá ser sempre respeitadora da Subsidiariedade de cada um.
58 – É fundamental manter sempre um equilíbrio entre os princípios da Solidariedade e da Subsidiariedade, mesmo quando se trata das ajudas internacionais. Com efeito, quando se desrespeita a Subsidiariedade nestas ajudas internacionais, produz-se uma maior pobreza porque se geram mecanismos de dependência. As ajudas internacionais não devem visar apenas os governos locais, mas também, e sobretudo, os agentes económicos locais (p.ex. as igrejas, as organizações, etc…). Também é preciso pugnar pela integração dos países mais pobres nos mercados internacionais, para que estes possam vir a libertar-se da sua dependência das ajudas externas. Finalmente, é imprescindível que toda a ajuda internacional tenha como fim último o recurso supremo: o Ser Humano.
59 – A ajuda ao desenvolvimento permite também um encontro e um diálogo entre as diversas culturas. Este diálogo deve ser feito num clima de respeito mútuo, em que os países mais ricos devem resistir à tentação de impor a sua cultura sobre a dos países ajudados. Todas as culturas possuem as suas virtudes e os seus defeitos, mesmo as das sociedades tecnologicamente mais avançadas. O discernimento do que há de bom e mau em cada cultura é efectuado à luz da Lei Natural (ou seja, o fundamento ético inscrito no coração de todos os homens). A Fé Cristã pode ajudar neste discernimento.
60 – A ajuda ao desenvolvimento dos países mais pobres é uma solução que cria riqueza para todos, mesmo para os países ricos. Isto porque os países pobres, sendo menos desenvolvidos, têm mais possibilidades de investimento.
Mas este princípio da criação de riqueza na ajuda aos mais necessitados aplica-se também internamente, na organização de sistemas de Solidariedade Social com o mínimo de burocracia e com o máximo de eficiência. Neste sentido, é particularmente louvável o princípio da Subsidiariedade Fiscal, segundo o qual cada contribuinte pode destinar uma fracção dos seus impostos ao financiamento de uma instituição de Solidariedade Social.
61 – A Solidariedade implica também a facilitação de um maior acesso à Educação. Esta Educação não compreende apenas a instrução de crianças ou a formação profissional (que são, de resto, iniciativas bastante meritórias e dignas de apoio). A Educação implica uma formação completa e holística da Pessoa, um desenvolvimento humano integral de cada indivíduo. Muitas vezes a pobreza deriva também de uma falta de educação moral das pessoas. Por isso, é de se evitar o relativismo cultural que empobrece as pessoas ao negar-lhes o fundamento para a sua correcta educação moral.
Um exemplo paradigmático é o Turismo. O Turismo pode ser fonte de descanso, divertimento são e até de encontro e diálogo entre culturas. Neste caso, o Turismo é educativo. Porém, o Turismo pode também ser usufruído de forma consumista e hedonista, podendo, inclusive, ser gerador de comportamentos imorais (como é o caso do Turismo Sexual). Quando tal sucede, o Turismo torna-se deseducativo.
62 – Ainda de salientar é a problemática das migrações. Este fenómeno exige uma forte coordenação internacional, particularmente entre os países de origem e os países de chegada dos migrantes. Os imigrantes contribuem também para o desenvolvimento quer dos países de origem (com o influxo monetário que geram) quer dos países de chegada (com o trabalho que produzem). Acima de tudo, os imigrantes são seres humanos e, por isso, devem ser protegidos. Os seus direitos humanos devem ser respeitados e deve-se fazer um esforço concertado no sentido de harmonizar os diversos sistemas legislativos dos países envolvidos nos fluxos migratórios.
63 – Também se deve recordar a relação íntima que existe entre pobreza e as violações ao direito humano ao trabalho (desemprego, salários injustos, exploração, trabalho infantil, discriminação no emprego, reformas inadequadas). Por isso, é de repetir o repto que o próprio Papa João Paulo II havia lançado, para que se forme uma coligação internacional dos trabalhadores numa organização (como a Organização Internacional do Trabalho) onde estes façam valer os seus direitos.
64 – Também os próprios sindicatos (que sempre foram apoiados pela Doutrina Social da Igreja) devem adaptar-se às novas realidades da globalização. Particularmente, os sindicatos poderiam fazer render os seus princípios fundadores de Justiça e Igualdade, se estendessem a sua protecção também aos trabalhadores não inscritos nas suas fileiras, nomeadamente os dos países em vias de desenvolvimento. É importante ainda que os sindicatos não se deixem manipular por ideologias político-partidárias: apenas o bem-estar dos trabalhadores deve ser a sua motivação.
65 – As Finanças devem reorganizar-se de forma a reencontrarem o seu fundamento ético (que é criar o máximo possível de riqueza e desenvolvimento). Uma das formas de atingir este objectivo seria investir em iniciativas de carácter humanitário (posto que estas não devem interferir no desenvolvimento dos povos). Acima de tudo, pede-se ao homem financeiro “recta intenção, transparência e busca de bons resultados” e que coloque a sua inteligência ao serviço do Amor ao próximo.
Neste sentido são particularmente louváveis as iniciativas do micro-crédito (nascidas no espírito dos montepios), desde que acompanhadas de uma correcta educação que permita aos seus beneficiários protegerem-se de eventuais abusos e usuras.
66 – Tal como existe uma responsabilidade social da empresa, também existe uma responsabilidade social do consumidor. O acto da compra é sempre um acto moral, além de económico. É fundamental que os consumidores façam valer os seus direitos e que usem o seu poder para trazer um maior bem ao mundo. São de louvar as iniciativas que pretendem aumentar a comercialização de produtos de países pobres, desde que os fundos assim gerados não sejam colocados à disposição de ideologias particulares, mas que sejam postos ao serviço de um verdadeiro desenvolvimento social, económico, tecnológico e educativo desses países pobres. Também positivas são as novas formas de cooperação na compra, à semelhança das cooperativas de consumo criadas no séc. XIX por católicos.
67 – Portanto, o fenómeno da globalização (e a necessidade de se constituir uma verdadeira “família humana”) obriga a uma reforma da ONU, bem como das actuais instituições económicas e financeiras internacionais. É necessária uma Autoridade Mundial (como já era postulado pelo Beato Papa João XXIII), com a função de “sanar as economias atingidas pela crise (…), realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, garantir a salvaguardo do meio ambiente e regulamentar os fluxos migratórios”. Tal Autoridade Mundial, todavia, deve actuar de forma moral, reger-se pelos princípios da Solidariedade e da Subsidiariedade, procurar o Bem Comum, respeitar a Lei Natural e nortear-se pelo desenvolvimento humano integral. Esta Autoridade Mundial deve ainda ser reconhecida e respeitada por todos.
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