10 – A releitura actual da Populorum Progressio deve ter em atenção as novas realidades que entretanto se geraram… mas não pode esquecer as suas raízes, i.e. a Tradição Apostólica.
11 – A publicação da encíclica Populorum Progressio deu-se quase imediatamente após o Concílio Vaticano II, tendo sido inspirada por este (particularmente pela constituição pastoral Gaudium et Spes). O Concílio Vaticano II reconheceu duas verdades que são reafirmadas na Populorum Progressio:
a) “a Igreja inteira, em todo o seu ser e agir, quando anuncia, celebra e actua na caridade, tende a promover o desenvolvimento integral do homem” – pelo que a acção da Igreja para o desenvolvimento não se esgota na acção sócio-caritativa. Portanto, a limitação abusiva da acção da Igreja (seja por perseguições religiosas, seja pela proibição do seu papel público para além das actividades sócio-caritativas) é um obstáculo ao desenvolvimento humano.
b) “o autêntico desenvolvimento do homem diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em todas as suas dimensões” – pelo que o desenvolvimento humano não se pode fechar ao transcendente. Se tal acontecer, o desenvolvimento humano foca-se demasiado no Ter em vez de no Ser. Corre-se o risco de julgar que basta a reforma das instituições humanas para que ocorra o desenvolvimento, sem que se perceba que tal desenvolvimento apenas se pode dar quando todos assumem livremente as suas responsabilidades. Sem Deus, nunca podemos encontrar uma imagem divina no próximo e, logo, teremos mais dificuldades em amá-lo.
12 – Não é correcto dividir a Doutrina Social da Igreja em diferentes fases (nomeadamente uma fase pré-conciliar e outra pós-conciliar). A Doutrina Social da Igreja é “um único ensinamento, coerente e simultaneamente sempre novo”. Ou seja, a Doutrina Social da Igreja é uma componente constante e permanente da Tradição Apostólica que permite interpretar em cada tempo os novos problemas que vão surgindo e as novas soluções que devem ser encontradas.
13 – A encíclica Populorum Progressio não só se insere na Doutrina Social da Igreja, como no próprio magistério do Papa Paulo VI, cujo pontificado se focou nas questões sociais, na necessidade da mensagem cristã para o verdadeiro desenvolvimento e na importância da resistência às debilidades éticas do seu tempo.
14 – Posteriormente, o mesmo Papa Paulo VI publicou a encíclica Octogesima Adveniens, na qual condenava as ideologias utópicas, quando utilizadas na política divorciadas da ética e dignidade humanas. Particularmente condenáveis são a ideologia tecnocrática (que põe a ênfase do desenvolvimento apenas na técnica, sem qualquer orientação ética) e a ideologia anti-tecnocrática (que considera todo e qualquer desenvolvimento como negativo, propondo, outrossim, um regresso à simplicidade da Natureza, esquecendo que o desenvolvimento humano é parte integrante do próprio Homem). Em ambas estas ideologias diametralmente opostas separa-se o desenvolvimento humano da ética e, logo, da responsabilidade que todos temos no desenvolvimento humano.
15 – Também é importante realçar outros dois documentos do Papa Paulo VI que, embora não directamente ligados à Doutrina Social da Igreja, encontram-se interligados com ela:
a) A Encíclica Humanae Vitae, que tratava do significado simultaneamente unitivo e procreativo da sexualidade; Como tal, a base da sociedade assenta na união de um casal aberto à vida
b) A Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, que se focava na evangelização; Como o anúncio do Reino de Cristo é fundamental para o desenvolvimento humano integral, não é possível separar a Doutrina Social da Igreja do espírito missionário
16 – Na Populorum Progressio, o Papa Paulo VI diz-nos que o desenvolvimento é uma vocação, porque Deus chama todo o Homem a desenvolver-se através da sua vida, mas o Homem tem de dar o seu assentimento livre. É precisamente por causa do facto de o desenvolvimento ser uma vocação, que a Igreja tem a legitimidade de intervir nas questões do desenvolvimento.
17 – A vocação do desenvolvimento exige uma resposta livre e responsável, pelo que nenhuma estrutura ou instituição pode garantir tal desenvolvimento sobrepondo-se a essa liberdade e responsabilidade de cada indivíduo. É esse o perigo das ideologias utópicas que, longe de respeitarem a vocação de cada humano no seu próprio desenvolvimento, consideram os indivíduos como meios para atingirem um fim (o desenvolvimento). Para o Papa Paulo VI a importância das estruturas sociais no desenvolvimento exigia uma igual ênfase na importância da responsabilidade individual nesse desenvolvimento.
18 – Além da liberdade, o desenvolvimento humano integral deve respeitar a Verdade. Deste modo, impõe-se a questão “Qual é a Verdade acerca do desenvolvimento?”. A Verdade é esta: “O desenvolvimento autêntico deve ser integral, ou seja, promover todos os homens e o homem todo”. Deste modo, o Evangelho é fundamental, porque lá Cristo “revelou o Homem ao próprio Homem”. O Homem deve dar o seu “sim” à vocação de desenvolvimento que Deus lhe deu. O Homem não deve parar de se desenvolver, tendo sempre em conta a abertura ao transcendente.
19 – Finalmente, a noção do desenvolvimento humano como uma vocação pressupõe a centralidade da Caridade nesse desenvolvimento humano. Como tal, o subdesenvolvimento que existe nos nossos dias não reside apenas em factores de ordem material, mas sobretudo na falta de Solidariedade, de um pensamento ordenado para o Bem Comum, e de fraternidade. Essa fraternidade não pode ser obtida apenas pelos homens… é só através de Deus que essa fraternidade é possível, porque foi Deus Quem nos ensinou a fraternidade através de Cristo. “A globalização pode tornar-nos vizinhos, mas não nos torna irmãos”.
20 – Por tudo isto, a encíclica Populorum Progressio permanece actual e ilumina todos os subsequentes contributos para a Doutrina Social da Igreja. Resta sublinhar a urgência das reformas tendo em vista a justiça dos povos, porque a fraternidade entre todos os homens é um objectivo urgente e que requer coragem e decisão. A Caridade de Cristo a isso nos impele. Também aqui é imprescindível o exercício da Caridade na Verdade.
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