21 – O Papa Paulo VI tinha uma visão holística do desenvolvimento dos povos: a nível económico, promovia a sua participação activa e em pé de igualdade nos processos económicos internacionais; a nível social, uma evolução para sociedades mais instruídas e solidárias; a nível político, a consolidação de regimes democráticas capazes de assegurar a liberdade e a paz. Por outro lado, a crise económica em que hoje nos encontramos mergulhados nasceu da tecnocracia que coloca o lucro como um fim em si mesmo e não como um meio para atingir o Bem Comum. Deste modo, esta crise económica é uma oportunidade de discernimento que nos possibilitará refundar um novo espírito humanista, o qual permitirá encontrar as soluções para a crise.
22 – O desenvolvimento é policêntrico, ou seja, é demasiado complexo para ser interpretado simplisticamente por meras ideologias. E, embora a riqueza tenha crescido desde os tempos da Populorum Progressio, também cresceram as desigualdades. Estas desigualdades têm origem em interesses económicos e factores culturais tanto dos países desenvolvidos (que tentam reter a riqueza) como dos países em vias de desenvolvimento (que resistem ao desenvolvimento).
23 – Não é suficiente progredir no ponto de vista económico e tecnológico (embora isso seja bom), mas é fundamental progredir também humano (o “desenvolvimento humano integral”). Com a queda do bloco comunista em 1989, o Papa João Paulo II apelou a que esses países (e todos os outros) revissem a sua definição de desenvolvimento à luz destes factos… o que foi posto em prática apenas parcialmente…
24 – Nos tempos do Papa Paulo VI, a globalização ainda se encontrava num estado embrionário. Como a economia era maioritariamente local, o Estado tinha o poder de regular a sua própria actividade produtiva e económica. Hoje em dia, com um mundo globalizado, o poder do Estado encontra-se limitado nesta matéria. Por isso, dada a crise económica actual, talvez seja prudente, em vez de colocar uma confiança excessiva nos poderes públicos do Estado… tentar avaliar qual é a verdadeira função do Estado e estimular a actividade de estruturas intermediárias (p.ex. organizações) que são mais representativas dos cidadãos e os tornam mais activos na sociedade.
25 – Numa tentativa de aumentar a produção e o capital, e de aumentar a competitividade num mundo globalizado, muitos países optaram por uma desregulamentação do mercado de trabalho, permitindo a deslocalização das empresas para países em que os custos de produção são mais baixos. Tal desregulamentação produziu um enfraquecimento dos sistemas de segurança e previdência públicos e privados, bem como dos sindicatos, impedindo-os de executar a sua função de procurar a justiça social. Por outro lado, ao aumentar a desumanização do trabalho e o desemprego, esta desregulamentação produz muitos problemas psicológicos, económicos, familiares e espirituais aos indivíduos. Os governantes não devem nunca esquecer que “primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade” e que “com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social”
26 – Também a nível cultural o mundo modificou-se muito desde a publicação da Populorum Progressio: as culturas já não são impermeáveis, mas existe uma grande interacção cultural. Isto é positivo, mas pode acompanhar-se de dois grandes erros:
a) O ecletismo cultural – que considera todas as culturas como iguais e intercambiáveis, o que redunda num relativismo que acaba por destruir o diálogo entre as culturas
b) O nivelamento cultural – que procura homogeneizar todas as culturas, perdendo-se, assim, a riqueza cultural da diversidade
Ambos os erros separam a cultura da natureza humana, reduzindo o indivíduo a um dado contexto cultural.
27 – A fome ainda é um mal muito disseminado a nível mundial. Alimentar o faminto é uma das obras de misericórdia que um cristão deve ter. Nos países em vias de desenvolvimento, a fome não é gerada apenas por uma escassez material, mas também por falta de suporte organizacional e institucional. Nesse sentido, será fundamental investir na agricultura dos países pobres e dota-los de infra-estruturas e tecnologias que lhes permitam uma reforma agrária. Aqui encontra-se uma das soluções para a presente crise económica internacional… não só os países pobres poderiam escapar à fome e ganhar alguma autonomia, como os países ricos poderiam encontrar nesta nova produção dos países pobres um sustento em termos de matéria-prima. Deste modo, países desenvolvidos e subdesenvolvidos cooperariam para sair da crise. O direito ao alimento e à água é um direito humano, porque está intimamente ligado ao direito à vida.
28 – O direito à vida está no centro do verdadeiro desenvolvimento. Por isso, é preocupante uma tendência recente para limitar ao máximo a abertura à vida, nomeadamente através da contracepção, do aborto e da eutanásia. Particularmente nos países desenvolvidos, esta mentalidade tornou-se já disseminada e é exportada para os países subdesenvolvidos como Progresso. Também lamentáveis são as acções de várias Organizações Não Governamentais que pressionam os Estados neste âmbito, por vezes forçando esterilizações em mulheres (mesmo sem que estas o saibam) ou condicionando a ajuda económica às políticas antinatalistas implementadas pelos governos dos países em vias de desenvolvimento. A dignidade da vida humana é a razão da importância do desenvolvimento. Sem abertura à vida, não existe motivação nem empenho pelo verdadeiro desenvolvimento humano.
29 – Também intrinsecamente ligado ao desenvolvimento está o direito à liberdade religiosa. Neste âmbito há, mais uma vez, dois erros que atentam contra este direito:
a) O fanatismo religioso – que propaga a violência e, portanto é um obstáculo ao desenvolvimento e cooperação entre os povos.
b) A promoção do ateísmo prático – que retira Deus da equação do desenvolvimento e que, ao retirar recursos espirituais às pessoas, impede o desenvolvimento humano integral (que, como já foi dito, tem a sua origem em Deus). Particularmente lamentável é a exportação deste ateísmo prática para os países subdesenvolvidos sob o disfarce de Progresso.
30 – Além dos vários domínios do desenvolvimento humano integral, é fundamental fazer interagir todos os diversos níveis do saber humano, para que a acção social se norteie por uma doutrina coerente. O saber, só por si, não consegue atingir o desenvolvimento humano integral sem ser temperado pelo amor. Mas o amor não exclui o saber, antes complementa-o.
31 – Isto quer dizer que a Ética e a Ciência devem ser harmonizadas, e é a Caridade quem está em melhor posição de o fazer. O saber deve ser interdisciplinar, sem excluir também os domínios da Metafísica e da Teologia, sem os quais a Ciência não consegue contribuir para o desenvolvimento INTEGRAL do Homem. A Doutrina Social da Igreja tem, nesse aspecto, um importante componente interdisciplinar.
32 – Os novos problemas sociais requerem novas soluções, as quais devem sempre ter em consideração esta visão holística do Ser Humano. A dignidade da pessoa humana, nomeadamente, obriga a que estas soluções não aumentem as desigualdades sociais nem o desemprego. E isto não apenas devido a motivos humanistas (que, apesar de tudo, são os mais importantes), mas também por motivos económicos. As desigualdades sociais destroem a coesão social (alimentando ideologias antidemocráticas), as relações de confiança e cooperação (sem a qual a produção de bens está em risco) e a criatividade. Deste modo, medidas a curto prazo que visem aumentar a competitividade de um país diminuindo a tutela dos direitos dos trabalhadores, irão provocar recessão económica a longo prazo. É urgente uma reflexão sobre o sentido da economia e os seus fins. E é preciso ter em conta que “custos humanos acarretam sempre custos económicos”.
33 – Assim, passados quarenta anos desde a publicação da encíclica Populorum Progressio, vemos que esta previu e alertou (quer intuitivamente, quer expressamente) para muitos dos problemas sociais que encontramos hoje. No entanto, o fenómeno mais importante que esta encíclica pressentiu foi a interdependência mundial (conhecida como globalização). Esta globalização pode ser uma oportunidade para levar a cabo o desenvolvimento humano integral, mas apenas se animada pela Caridade na Verdade. Quarenta anos após a Populorum Progressio, o progresso continua um problema em aberto. Devemos colocar a Razão ao serviço da resolução deste problema.
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