Ultimamente tenho estado muito ocupado, pelo que não pude dar a certas notícias a atenção que elas merecem (uma vez que, como todas as notícias sobre a Igreja, foram tratadas de forma completamente ignorante, superficial e preconceituosa).
1) O Cardeal Patriarca de Lisboa D. José Policarpo terá pedido cautela às jovens portuguesas (cristãs católicas) no que toca a casamentos com os muçulmanos. Ele disse: "Cautela com os amores. Pensem duas vezes em casar com um muçulmano, pensem muito seriamente, é meter-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam".
Imediatamente veio a malta do costume denunciar as palavras do Cardeal como "racistas", "discriminatórias" e "islamofóbicas". E, o que é mais surpreendente, falar de casos de violência em casamentos católicos e felicidade entre casamentos mistos de cristãos e muçulmanos.
Em primeiro lugar: esta intervenção decorreu numa tertúlia... qualquer um que veja as imagens na T.V. compreende que se tratava de uma conversa informal. Qualquer um consegue ver que não se trata de uma declaração oficial.
Segundo: Não se tratou de uma proibição dos casamentos entre cristãos e muçulmanos. Foi apenas um conselho.
Terceiro (e mais fundamental): O conselho fundamenta-se, não tanto em situações de violência (que, apesar de poderem ocorrer, são transversais a todas as culturas, infelizmente) mas nas desigualdades culturais. É claro que a mentalidade pós-moderna, que considera todas as religiões como iguais e que parece tratar a escolha de uma religião como a escolha de um clube de futebol, certamente não compreenderá as objecções do Cardeal. Mas a verdade é que a estabilidade de um casamento fundamenta-se na concórdia, a qual é sumamente facilitada por um sentimento de partilha de identidade cultural. Devemos recordar a inflexibilidade dos muçulmanos no que diz respeito a este tópico: uma mulher cristã que se case com um homem muçulmano deverá converter-se ao Islão. É óbvio que uma cristã praticante e consciente jamais se sujeitaria a estas exigências! E penso que será essa a essência dos "casos dramáticos" que o Cardeal mencionou.
Penso que a intervenção do Cardeal foi uma referência ao §1634 do Catecismo da Igreja Católica:
"A diferença de confissão entre os cônjuges não constitui obstáculos insuperável para o casamento, desde que consigam pôr em comum o que cada um deles recebeu em sua comunidade e aprender um do outro o modo de viver sua fidelidade a Cristo. Mas nem por isso devem ser subestimadas as dificuldades dos casamentos mistos. Elas se devem ao fato de que a separação dos cristãos é uma questão ainda não resolvida. Os esposos correm o risco de sentir o drama da desunião dos cristãos no seio do próprio lar. A disparidade de culto pode agravar ainda mais essas dificuldades. As divergências concernentes à fé, à própria concepção do casamento, como também mentalidades religiosas diferentes, podem constituir uma fonte de tensões no casamento, principalmente no que tange à educação dos filhos. Uma tentação pode então apresentar-se: a indiferença religiosa."
Voilá! Um pouco de conhecimento sobre as matérias tratadas e todas as notícias começam a fazer um pouco mais de sentido.
2) O Presidente da República Cavaco Silva criticou a nova lei do divórcio, na abertura do VI Congresso da Confederação das Instituições de Solidariedade, postulando a relação entre pobreza e divórcio. Na realidade, o Presidente acertou na mouche: todos os estudos demonstram uma relação inequívoca entre pobreza e taxas de divórcio.
Para quem tiver tempo, paciência e habilidade com o inglês, recomendo este artigo: "The War between State and Family - how government divides and impoverishes" de Patricia Morgan do Institute of Economic Affairs. Ver também este artigo da Heritage Foundation (que é, está certo, uma organização de pendor conservador, mas que levanta questões muito válidas).
Cavaco Silva seria um político de grande envergadura e respeitabilidade, se não padecesse de um crónico Síndrome de Pilatos. Penso que a "cooperação estratégica" apenas faz sentido quando é respeitada por ambos os órgãos de soberania (e não é extensível a todos os domínios). Infelizmente, ainda prevalece a noção errónea de que os "temas fracturantes" são fait divers.
Ainda numa nota relacionada com esta notícia, é de salientar a re-eleição do Padre Lino Maia para presidir à Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social, decorrida no supracitado Congresso. Este é um homem que conhece profundamente a problemática da pobreza e com um currículo impressionante neste campo. Este é um nome para fazer calar aqueles que estão sempre a protestar contra as "riquezas imensas do Vaticano".
3) Parece que a legalização do aborto não acabou com a prática clandestina. E parece que os estabelecimentos clandestinos não são meros vãos de escada, mas clínicas. E parece que, afinal, sempre é possível agir criminalmente sobre os responsáveis deste acto hediondo sem punir as mulheres.
Ou seja, o movimento pró-vida disse sempre a verdade e a Associação de Planeamento Familiar mentiu sempre. Entretanto, já milhares de crianças foram mortas em Portugal ("as ilusões pagam-se caras" como diria Cavaco Silva). Tal como no caso do divórcio, apenas beneficiam os cegos ideológicos que, na sua torre de marfim, se auto-maravilham com a sua obra socialmente "progressista".
4) Tem ocorrido um grande celeuma, porque parece que o Papa Bento XVI (esse nazi!) reavivou as cinzas do antisemitismo da Igreja, ao reabilitar um bispo da Sociedade de S. Pio X que nega a existência do Holocausto.
Para já, o Papa Bento XVI nunca foi nazi. Ele foi arrancado do seminário e recrutado à força no Corpo Anti-Força Aérea. E desertou (pondo em risco a própria vida) mal viu a oportunidade. O pai de Ratzinger era anti-nazi e um dos seus primos (com Síndrome de Down) foi morto por campanhas de eugenia nazis.
A mentira que se tem vindo a difundir desde a sua eleição como Papa, segundo a qual Ratzinger foi um convicto nazi são uma difamação de uma infâmia imensurável!
Outro ponto: o Papa Bento XVI não "reabilitou" ninguém. Ele levantou uma excomunhão, tentando dar passos significativos na resolução de um cisma que ainda hoje sangra profundamente na nossa Igreja: a separação entre os seguidores fiéis do Magistério (nomeadamente do Concílio Vaticano II) e os tradicionalistas lefebvrianos.
Isto não significa que o Papa subscreva todas as opiniões dos bispos lefebvrianos cuja excomunhão foi levantada. Nem significa que estes bispos já estejam em plena comunhão com a Igreja Católica. Longe disso!
A razão da excomunhão foi a eleição inválida de 4 bispos pela Arcebispo Marcel Lefebvre, que havia criado a Sociedade S. Pio X como resposta às reformas do Concílio Vaticano II. A razão da excomunhão NÃO foi a posição dos 4 bispos sobre o Holocausto nazi.
A excomunhão tem a ver, como o próprio nome indica, com a comunhão com a Igreja Católica. Estes bispos não estavam em comunhão com a Igreja, porque haviam chamado a si uma autoridade que era contrária à própria Igreja. Como tal, a presença ou ausência de excomunhão depende dos passos dados na gestão da questão religiosa com a Sociedade de S. Pio X. A excomunhão não depende de mais nenhum factor.
Noções ou crenças bizarras (ou simplesmente estúpidas) não são motivos de excomunhão (graças a Deus!). Não é por acreditar que o Holocausto nazi não existiu que uma pessoa deixa de estar em comunhão com a Igreja. Tal como uma pessoa que acredite que o Homem não foi à Lua. Ou que acredite que as pessoas estão a ser substituídas por homens-lagarto que querem conquistar a galáxia.
Os actos que podem levar a excomunhão estão muito bem delineados no Catecismo e, entre eles, encontra-se a consagração episcopal ilícita:
§1463 – "Alguns pecados particularmente graves são passíveis de excomunhão, a pena eclesiástica mais severa, que impede a recepção dos sacramentos e o exercício de certos atos eclesiais".
§1382 - "O Bispo que, sem o mandato pontifício, confere a alguém a consagração episcopal e, igualmente, quem dele recebe a consagração incorrem em excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica".
A historicidade do Holocausto nazi não é dogma e, francamente, não tem nada a ver com a notícia relatada. Toda esta situação é apenas uma forma de ganhar manchetes sensacionalistas à custa de preconceitos fabricados pelos próprios media. Não sei qual foi o motivo que levou o Papa a levantar a excomunhão dos bispos lefebvrianos, mas sei que, ao contrário do que é conhecimento comum, a Igreja tem tendência a ser bastante inclusiva no que diz respeito a diferentes pontos de vista. De que outra forma é possível justificar tanta desobediência aos preceitos da Igreja sem qualquer excomunhão formal? A Igreja deseja a salvação de todos e, por isso, procura acolher todos. É interessante notar que muitos dos que tentaram lucrar com este incidente diplomático são renegados liberais com telhados de vidro.
Espero, com este post, ter contribuido para elucidar os meus leitores, sem ter dito nenhuma asneira. Se tiver sido o caso, as vossas correcções serão bem vindas.
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