Infelizmente, a pressa do nosso Primeiro-Ministro em legislar sobre matérias afectivas que são completamente externas à sua competência e à competência de qualquer governo humano fez-me protelar este tema... o tema da pobreza, que eu gostaria que tivesse inaugurado este ano.
É verdade que, nas últimas décadas,
têm-se conseguido avanços consideráveis na luta contra a pobreza, tanto a nível nacional como internacional. Apesar da mentalidade miserabilista e derrotista que nos caracteriza, penso que temos de aceitar esta ideia: nunca houve uma época, em toda a História da Humanidade, em que uma tão grande percentagem de pessoas tenha vivido com tanta abundância e com tão pouca escassez de recursos.
Todavia...
... o facto é que a pobreza existe. E, não só existe, como ainda é bastante prevalente!
Segundo
dados recentes do EUROSTAT, 18% da população portuguesa encontra-se em risco de pobreza, sendo que esta percentagem ultrapassa os 20% nos grupos etários extremos, mais fragilizados e dependentes. Preocupante é também o facto de 12% da população com emprego estar também em risco de pobreza.
Já muito foi feito, mas ainda há muito por fazer também. E acho que é a nossa estreiteza de espírito o maior obstáculo às medidas que é urgente tomar. A estreiteza de espírito que, geralmente, se manifesta pela imposição de falsas dicotomias. Neste caso, a dicotomia entre capitalismo e socialismo/comunismo, como se não houvesse alternativas.
Em poucas palavras, o capitalismo idolatra o Mercado e postula a total liberdade da iniciativa privada. Ou seja, a sociedade enriqueceria automaticamente se se desse total liberdade de acção, sem restrição, aos investidores e aos agentes económicos. Parece lógico, pois não é possível encher os bolsos dos empregados se os patrões não lhes conseguem pagar... há que deixar os negócios seguir o seu rumo, permitindo assim o fluxo de capitais por toda a sociedade.
Infelizmente, isto é apenas teoria. Na prática, esse fluxo livre de capitais não se dá. Outrossim, o capital fica retido nas contas bancárias da meia-dúzia de investidores privados a quem se deu total liberdade de acção. Estes, sem escrúpulos nem ética, buscam apenas o maior lucro, descartando-se facilmente das pessoas que deles dependem, deslocalizando as empresas para onde é mais conveniente, não olhando a meios para obter os seus fins.
Dizem os capitalistas que restringir o Mercado apenas afastará os investidores... e que, sem investidores, não há riqueza para o país. Porém, eu digo... para quê tentar reter no país grandes empresas que exigem tamanhas injustiças laborais, a troco da sua ilustre presença em solo pátrio? Para quê fazer o jogo de tão mesquinha chantagem? Não seria melhor investir nas empresas nativas, na iniciativa nacional, nos investidores que transformam os produtos locais em riqueza local que circula a nível local? Nas chamadas pequenas e médias empresas, aquelas que realmente conhecem as necessidades dos seus clientes, dos seus empregados, do seu país? Não seria preferível que a globalização fosse apenas de ideias e conhecimentos... e que os bens e serviços fossem produzidos localmente para consumo local? Não seria melhor se as empresas, em vez de procurarem apenas o bem-estar de uma mão-cheia de accionistas obscuros e efémeros... procurassem antes o bem-estar de todos aqueles que nelas trabalham ou das comunidades onde estão inseridas? Por que hão-de ser os especuladores a ser accionistas das empresas? Por que não hão-de ser os empregados e as assembleias locais a ser os accionistas das empresas?
Claro que, perante estas minhas palavras, já se ouve um certo zum-zum à Esquerda. E ali estão os socialistas e os comunistas acenando afirmativamente. "Sim! É preciso restringir o Mercado de alguma forma para evitar as desigualdades sociais!"... dizem eles. Pois! Só que pior mesmo é a emenda que eles propõem: que a liberdade absoluta que se retira ao Mercado deve ser oferecida ao Estado. É ao Estado que compete regular os Mercados... mas a ninguém compete regular o Estado. É do Estado que tudo depende... e o Estado não depende de ninguém. Parece lógico. Se o Mercado não é capaz de assegurar o nível de vida de todos, deve ser o Estado (a soma de todos os indivíduos que constituem a sociedade) a assegurar que todos tenham o mínimo necessário para sobreviver.
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Infelizmente, isso é apenas na teoria. Na prática o que temos é um Estado controlador e sufocante. Um Estado que se torna tão embriagado de Poder, que passa a controlar todas as esferas da sociedade. O Estado deixa de ser o representante da sociedade, para se tornar o transformador da sociedade. Como no recente caso dos "casamentos" homossexuais, o Estado impõe as suas ideias na sociedade, levando a que meia-dúzia de intelectuais e burocratas políticos se achem no dever de moralizar os cidadãos que os colocaram nos corredores do Poder. Mesmo a nível económico, a única coisa que o Estado consegue é criar uma geração de subsidiodependentes, incapaz de se retirar a si própria dos fossos da pobreza porque o Estado providencia-lhes todas as necessidades. Por outro lado, isto gera uma mentalidade economicista no Estado e aqueles que mais necessitariam da ajuda estatal (os idosos, os inválidos, etc...) são aqueles a quem esta ajuda mais é negada, porque não são "produtivos", porque não dão "retorno". A verdadeira pobreza cresce e a falsa pobreza é alimentada.
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Tal como a mão-cheia de accionistas não sabe nada acerca das necessidades dos seus clientes e empregados a nível local, também a mão-cheia de burocratas não sabe nada acerca das necessidades dos cidadãos e do país real. E, como os accionistas e os burocratas nada sabem acerca das necessidades reais das pessoas, criam "necessidades" de acordo com as suas ideias pré-concebidas. E é dessas "necessidades" artificiais e ilusórias que nascem o consumismo (a partir do accionista) e o hedonismo (a partir do burocrata). O accionista vê a realidade através de um papel: a sua acção. O burocrata também vê a realidade através de um papel: o seu diploma em Sociologia. E tanto o accionista como o burocrata se contentam com essas papéis, encarcerando-se nos seus gabinetes enfeitados de gráficos e estatísticas, herméticos à populaça que dizem servir. Por isso, há tanta fraude a nível do Rendimento Social de Inserção... o funcionário público não sabe discernir as necessidades de quem se lhe apresenta, porque não conhece o país real, nem a pessoa que se lhe apresenta. Tal como o accionista da multinacional não conhece os empregados que trabalham sob a sua batuta.
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Dizem os socialistas e os comunistas que é necessário que o Estado providencie para cada pessoa. Porém, eu digo... não seria melhor que cada pessoa providenciasse por si mesma? Em vez de distribuir capital às pessoas em risco de pobreza, não seria melhor distribuir os recursos produtivos pela sociedade civil? Em vez de oferecer subsídios, por que não oferecer instrumentos? Por que não criar iniciativas de
micro-crédito? Por que não oferecer benefícios fiscais a empresas que partilhassem os seus lucros com os seus trabalhadores e localidades? Por que não reservar os subsídios para aqueles que realmente não podem fazer mais pela sua vida e que, muitas vezes, já deram a sua válida contribuição para o Bem Comum? Por que não apostar numa formação profissional que qualificasse a mão-de-obra portuguesa, em vez de investir em cursos e títulos doutorais que não possuem qualquer procura e que, por conseguinte, apenas conduzem ao desemprego? Por que não apostar numa Educação sólida e rica, em vez de cair no facilitismo demagógico das actuais escolas públicas, ou em vez de restringir as opções educativas que os pais podem dar aos seus filhos?
Chega de capitalismo! Chega de socialismo e de comunismo! São teorias que já se desacreditaram há muito! O Muro de Berlim caiu, graças a Deus! A Grande Depressão engoliu Wall-Street por duas vezes em menos de um século! Está na hora de colocar o Mercado e o Estado no seu devido lugar... ao serviço do Homem.
Sim, porque quando o Homem criou o Mercado, foi para satisfazer as suas necessidades materiais e para evitar situações de injustiça económica. Se o Mercado se torna um deus omnipotente, se o Mercado priva o Homem das suas necessidades materiais, se o Mercado cria situações de injustiça económica... então o Mercado perverteu a sua função! O Mercado foi criado para o Homem e não o Homem para o Mercado!
Sim, porque quando o Homem criou o Estado, foi para satisfazer as suas necessidades sociais e para evitar situações de injustiça política. Se o Estado se torna um deus omnipotente, se o Estado priva o Homem das suas necessidades sociais, se o Estado cria situações de injustiça política... então o Estado perverteu a sua função! O Estado foi criado para o Homem e não o Homem para o Estado.
Por isso, para combater a pobreza não bastam bem-intencionados anos temáticos que passam à margem da maioria das pessoas e que rapidamente desaparecem com poucos rastos. É preciso que mude alguma coisa! Mas isso não depende somente do Governo e dos grandes agentes económicos! Sem dúvida que esses têm um papel fundamental a desempenhar, mas esse papel é inacessível ao indivíduo comum... e, o que é pior, é um papel que geralmente é monopolizado por sujeitos com pouco escrúpulos.
Não. O combate à pobreza passa por todos nós. E não se esgota somente na esmola e na caridade (que são importantes, sem dúvida, mas não suficientes). Passa, outrossim, no derrubar de barreiras mentais. Em transcender modelos pré-formatados que procuram adaptar a realidade a si próprios em vez de se adaptarem à realidade, tornando-se obstáculos ao verdadeiro combate à pobreza.
O Mercado não existe sem clientes. Temos, pois, de fazer ouvir as nossas vozes de consumidores. Consumir produtos provenientes de indústrias que fomentem a ética empresarial. Consumir produtos provenientes de indústrias que respeitem os mais básicos direitos humanos. Consumir produtos que enriqueçam o nosso país e os países que mais necessitem de se desenvolver. E, sobretudo, deixar de consumir apenas pelo consumismo, libertando-nos assim da tirania do Mercado.
De igual modo, o Estado não existe sem cidadãos. Temos, pois, de fazer ouvir as nossas vozes em todos os dispositivos democráticos existentes. Exigir um Estado que respeite a liberdade das pessoas, em vez de as moralizar. Exigir um Estado que assegure a Educação, em vez de querer educar o povo. Exigir um Estado que deixe de legislar sobre afectos com base nas ideias absurdas de uma elite intelectual desfasada da mentalidade das pessoas. Exigir um Estado que distribua os recursos económicos de uma forma justa e solidária. Exigir um Estado que esteja mais atento às pessoas do que às estatísticas, mais preocupado com os eleitores do que com as eleições. Exigir um Estado que respeite os direitos humanos de todos, desde a concepção até à morte natural. E, sobretudo, deixar de votar apenas pelo hedonismo, libertando-nos assim da tirania do Estado.
E tem de ser a própria sociedade civil a mobilizar-se. As Instituições Privadas de Solidariedade Social são uma excelente maneira, uma maneira que realmente representa as pessoas porque nasce espontaneamente das pessoas, pela vontade das pessoas, para suprir necessidades que as pessoas realmente possuem. E sem dúvida que os voluntários das IPSSs têm um conhecimento de causa mais aprofundado do que o funcionário público que distribui subsídios do seu gabinete com base em valores e limites artificiais sem correspondência com a realidade.
Que o Mercado se torne mais solidário, ao aumentar a parte dos seus lucros que revertem para iniciativas da sociedade civil.
Que o Estado se torne mais solidário, ao aumentar a parte dos seus ganhos que revertem para iniciativas da sociedade civil.
Enquanto consumidores e cidadãos, temos direito a exigi-lo! Em boa verdade, apenas os consumidores e os cidadãos o podem exigir! Se tal não fôr feito, o Mercado e o Estado vão simplesmente continuar a operar como até agora... e nada mais haverá a fazer pela luta contra a pobreza. Porque o Mercado e o Estado alimentam-se do dinheiro, do prestígio e do poder... e somos nós quem lho damos!
Nisto como em tudo, todos somos responsáveis. Que este Ano Europeu de Luta contra a Pobreza sirva, ao menos, para que tomemos consciência desse facto!
4 comentários:
Figura superior:
"Мальчик-нищий с корзиной" - "Menino pedinte com um cesto"
Autor: Ivan Tvorozhnikov
1886
Figura média:
"Нищая - Девочка-рыбачка"
"Pedinte - A Menina Pescadora"
Autor: Ilya Yefimovich Repin
1894
Figura inferior:
"The Motherland" - "A Terra-Mãe"
Autor: William-Adolphe Bouguereau
1883
Caro Alma Peregrina.
Dentro do contexto da sexualidade/ casamento/ imoralidade do post anterior, veja no link abaixo o resultado da atitude da igreja para com a sexualidade. Veja o que a repressão sexual faz. Veja o que a castidade e o celibatarismo faz.
Pergunto-lhe: qual vai ser o castigo destes padres?
http://www.portalateu.com/2010/02/10/mais-do-mesmo-4/
Cumprimentos.
Caro O Império:
Lamento... não é isso que o celibato faz... e o celibato não é o equivalente a repressão sexual.
Pode mostrar-me todos os casos do mundo. Isso não muda o facto de que eu sou celibatário e não me sinto nada reprimido. E isso não muda o facto de várias pessoas serem celibatárias e também não se sentirem reprimidas.
Como eu já disse num outro post... senti-me reprimido, isso sim, quando vivi de acordo com o dogma de que não era possível ser-se casto (porque senão tinha-se a tal "repressão" uuuuuuhhhhh!!!). Aí sim, vivi reprimido, viciado, incapaz de dizer "não".
Não me pode convencer enquanto continuar a atropelar o meu testemunho de vida e o testemunho de vida de tantas pessoas que encontraram a felicidade e a auto-realização na castidade.
Cumprimentos
P.S.
Quanto ao castigo desses padres, não sei qual será. Se se está a referir a um castigo secular, espero que sejam trazidos à Justiça e julgados de acordo com a Lei. Também, como já disse, acho que a Igreja deveria ser mais acertiva e dispensar esses padres. Mas não sou juiz nem bispo, logo por que me pergunta?
Se se está a referir a um castigo divino, não sei, nem pretendo saber. Esses padres cometeram uma grave imoralidade, mas não os condeno, tal como não condeno ninguém que tenha cometido qualquer imoralidade. Não sou Deus, por que me pergunta?
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