Na nossa sociedade pós-moderna não existem pecados. Ou antes, existe apenas um pecado: a hipocrisia. E, ao que parece, é um pecado sem perdão nem redenção.
Isto acontece porque a nossa mentalidade baseia-se num dogma que dita assim: "É moral e legítimo fazer tudo, desde que seja consensual". Portanto, se um dado acto nos dá prazer e cumpre os requisitos, então por que não fazê-lo? E se não há motivos para não o fazer, então não pode ser imoral, certo? E se não é imoral, por que se não há de fazer?
Este dogma está errado, porque se baseia numa lógica equivocada. A lógica é esta:
Axioma 1) Se dá prazer, deve ser procurado como um fim em si mesmo.
Premissa 1) Se um acto prazenteiro é feito de forma consensual, então ninguém é prejudicado
Premissa 2) Se ninguém é prejudicado, então o acto não é imoral
Conclusão: Logo, um acto prazenteiro feito de forma consensual nunca é imoral
Ora, tanto o axioma 1, como a premissa 1, como a premissa 2 são claramente erradas. Ou pelo menos, carecem de fundamentação lógica.
Perante este dogma, se alguém se insurge contra um dado acto, está a cometer uma rudeza, está a quebrar a etiqueta. Porque está a destruir o consenso desnecessariamente. E, logo, a pôr em causa o prazer que aquele acto nos dá. E, mais do que isso, a colocar em causa o próprio hedonismo sobre o qual a nossa mentalidade actual se fundamenta.
Nesse caso, o "moralista" deve ser punido com a morte do seu carácter. Este assassínio de carácter faz-se recorrendo ao epíteto de "hipócrita", que é uma espécie de heresia do séc. XXI. Os hipócritas são pessoas que pregam o bom comportamente moral, mas que não se comportam moralmente. Sucede então que uma pessoa que se insurja contra a imoralidade de um dado acto socialmente aceite vê toda a sua vida escrutinada até ao último pormenor, em busca da mais pequena nódoa, que o possa desacreditar enquanto autoridade moral. Por vezes, será lícito recorrer ao preconceito difamatório porque, afinal, o único pecado que existe é a hipocrisia e os relativistas podem difamar sem hipocrisia uma vez que não acreditam numa verdade absoluta.
É por isso que todas as intervenções da Igreja que sejam mais incómodas para a nossa mentalidade pós-modernista são inevitavelmente saudadas com um coro de "Hipócritas! Hipócritas! Cruzadas! Inquisição! Pedofilia! Tesouros do Vaticano!"
Deixemos de lado o facto de todas estas acusações serem preconceituosas e difamatórias em certo grau, uma vez que todas elas se baseiam mais em fantasias anticlericais do que na realidade! Suponhamos que todos esses erros da Igreja (que aconteceram e que foram, de facto, erros) foram aquele horror sangrento que as pessoas imaginam quando trazem à baila esses eventos...
Ora, ainda assim, isso não provaria nada. Os antigos (que sabiam raciocinar com muito mais lógica do que nós) chamavam a isso uma falácia: a falácia
ad hominem ou
tu quoque. É falácia porque até o maior escroque do mundo pode ter razão no que diz. O Hitler poderia dizer que o céu é azul e estaria a dizer uma grande verdade. E se eu fosse dizer que o céu é preto às bolinhas cor-de-rosa, então o Hitler teria mais razão do que eu, apesar de ser o Hitler.
Mas esqueçamos tudo aquilo que eu disse até agora. Partamos do princípio de que provar a hipocrisia de alguém é, de facto, algo de grave e que pode retirar-lhe a autoridade moral para se pronunciar sobre um assunto.
Põe-se aqui então uma nova questão... Será que a hipocrisia é um pecado tão grave assim?
Alguém que não é hipócrita é coerente. Mas será que a coerência é sempre benéfica? E, em contraponto, será a hipocrisia sempre maléfica?
Por exemplo, o Hitler era extremamente coerente. Advogava matar judeus e matava-os mesmo. Se Hitler fosse hipócrita, advogaria matar judeus, mas não os mataria. Neste ponto, ser hipócrita seria mais moral do que ser coerente.
Quer isto dizer que ser coerente não é virtude nenhuma quando se advoga a imoralidade!
Que é o que a sociedade actual faz!
O contraponto disto é alguém que é hipócrita quando advoga a moralidade!
Que é o que a Igreja faz!
Ora a Igreja prega que todos nós devemos ter um comportamento moral e responsável. E que o devemos ter sempre. Em boa verdade, a Igreja mostra-nos um modelo que é Jesus Cristo, a Encarnação do próprio Deus vivo, que devemos seguir e imitar em todas as circunstâncias da nossa vida.
É claro que isto é impossível de se cumprir. Um ser humano não-divino não pode comportar-se assim, a não ser por intervenção divina. Apenas Deus pode ser como Deus.
O que não significa que não devamos tentar comportar-nos como Deus o faria.
A Igreja eleva a fasquia até um nível impossível, tornando todos os que a seguem em hipócristas automáticos. Até Madre Teresa de Calcutá cairia nesse rótulo! Mas esse nível impossível é necessário! Porque a função da Igreja tem a função de guiar-nos, tem de nos guiar sempre para a Verdade... caso contrário, como saberíamos quando estaríamos a seguir a Verdade e quando estaríamos a seguir a Mentira piedosa? A função da Igreja é mostrar-nos o Bem, nu e cru... se fosse mostrar-nos apenas o razoavelzinho, apenas traria como fruto a mediocridade e o conformismo! Se que serviria uma bússola moral, se não apontasse sempre o Norte, em todos os tempos, mesmo os mais difíceis?
Mas, precisamente por saber que a fasquia é demasiado elevada, a Igreja recebeu o mandato divino da Misericórdia! Daí o Sacramento da Penitência! Daí o sentido da Redenção! O que não apaga a necessidade de Verdade e de Justiça! São antes princípios complementares, que se unem harmoniosamente numa práxis que se chama Amor ou Caridade!
Ou seja, no que diz respeito ao pecado, estamos melhor sendo hipócritas do que sendo coerentes!