Foi publicada no dia 7 de Julho a terceira encíclica do nosso Papa Bento XVI, a qual recebeu o nome de Caritas in Veritate ("Caridade na Verdade"). Esta foi também a primeira encíclica social do Papa, ou seja, a sua primeira encíclica a versar sobre a Doutrina Social da Igreja (i.e. a parte da doutrina da Igreja que trata sobre a realidade social e colectiva da Humanidade).
A data da publicação desta encíclica tem muito significado. Em primeiro lugar, o documento foi assinado pelo Papa no dia 29 de Junho, ou seja, na Solenidade de S. Pedro e de S. Paulo (um dia santo). Deste modo, esta encíclica invoca a proteção de S. Pedro (reforçando a sua autoridade papal) e de S. Paulo (para que as suas palavras possam disseminar-se por todos os povos com ardor missionário - uma magnífica forma de terminar o Ano Paulino).
Além disso, esta encíclica foi publicada aproximadamente quarenta anos após a encíclica Populorum Progressio do Papa Paulo VI (à qual, aliás, Bento XVI faz constantes referências no seu texto).
Isto é bastante significativo.
A primeira encíclica social da Igreja foi escrita pelo Papa Leão XIII (denominando-se Rerum Novarum)... e a segunda foi publicada exactamente quarenta anos depois (sob o sugestivo nome de Quadragesima Anno). Desta forma, o Papa Bento XVI parece estar a sugerir uma importância da Populorum Progressio semelhante à da Rerum Novarum.
Finalmente, a publicação da Caritas in Veritate deu-se na véspera de mais uma reunião dos G8 (que compreende os líderes dos 7 países mais industrializados e da Rússia) que se deu em Itália, a poucos quilómetros do Vaticano. Muito apropriado, uma vez que as palavras de Bento XVI se dirigem sobretudo a essas potências mundiais.
Claro que (como tudo o que diz respeito ao Papa Bento XVI) já houve opinion-makers que se apressaram a comentar sobre aquilo que não sabem, deturpando a mensagem do pontífice. Afirmam que, finalmente, a Igreja se modernizou (que é sinónimo de dizer que "virou à Esquerda"... que finalmente está alerta para os problemas sociais). Isto é, claro, uma grande injustiça e uma grande falsidade.
É uma injustiça porque a Igreja sempre teve (desde os seus primórdios) uma grande preocupação social. Mesmo nos tempos em que era apontada como o "ópio do povo" por um certo filósofo alemão, a Igreja já intercedia junto dos patrões pelos direitos dos trabalhadores.
É uma falsidade porque a Igreja não "virou à Esquerda". Nem a Doutrina Social da Igreja é de "direita". A Doutrina Social da Igreja sempre tentou (desde Leão XIII) ser uma "terceira via", uma alternativa quer ao capitalismo, quer ao comunismo/socialismo. Portanto, a Doutrina Social da Igreja não é de Esquerda nem de Direita, pois transcende essas noções.
A Doutrina Social da Igreja assenta no princípio de que as estruturas político-económicas devem agir de acordo com um equilíbrio entre a Solidariedade e a Subsidiariedade (Liberdade). Um equilíbrio que tem como principal finalidade a defesa absoluta da Dignidade Humana de cada um (ou seja, o Bem Comum).
A Esquerda sacrifica a Liberdade no altar de uma Solidariedade enlouquecida. A Esquerda deseja a liberdade absoluta do Estado, à custa da liberdade dos indivíduos.
A Direita sacrifica a Solidariedade no altar de uma Liberdade enlouquecida. A Direita deseja a liberdade absoluta do Mercado, à custa do bem-estar de todos.
A Igreja dá equivalência à Solidariedade e à Liberdade. Nem o Estado nem o Mercado devem ter liberdade absoluta, porque quem exige liberdade absoluta só pode ter um objectivo... a liberdade para praticar o Mal. E o Mal é sempre antítese do Bem Comum (que é o único absoluto da Doutrina Social da Igreja).
Isto é clarificado no parágrafo 39, no qual é dito que o binómio Mercado-Estado corrói a sociedade. Aqui, o Papa está claramente a demarcar-se tanto da posição da Direita como da Esquerda.
Outro dos equívocos que se tem vindo a gerar em torno da encíclica é a de que o Papa Bento XVI terá dado o seu aval à ONU. Peço a atenção dos leitores que, quando o Papa invoca uma Autoridade Mundial, não se está a referir particularmente à ONU. Ou, pelo menos, não à ONU que temos actualmente (que necessita de uma urgente reforma).
O Papa refere a necessidade de uma Autoridade Mundial reconhecida por todos, mas esta tem uma área de actuação restrita a certos campos: a distribuição da riqueza, a regulação dos mercados internacionais, a proteção do meio ambiente, a intendência das migrações... (parágrafo 67)
Por outro lado, esta Autoridade Mundial deve respeitar a Subsidiariedade (parágrafo 57), ou seja, deve resistir à tentação de impôr às culturas locais as ideias de uma certa burocracia elitista e iluminada (coisa que a ONU não faz).
Por outro lado, esta Autoridade Mundial deve respeitar a Subsidiariedade (parágrafo 57), ou seja, deve resistir à tentação de impôr às culturas locais as ideias de uma certa burocracia elitista e iluminada (coisa que a ONU não faz).
Além disso, o Papa condena explicitamente certas acções da ONU, nomeadamente no âmbito do controlo populacional (parágrafo 28) e da promoção da Cultura da Morte e da Cultura da Trangressão.
Finalmente, os detractores do Papa invocam a separação da Igreja e Estado, em nome de uma laicidade que seria indispensável ao bom funcionamento das estruturas políticas. No entanto, o que estes detractores da Igreja invocam não é laicidade... é laicismo. Ou seja, trata-se de uma tentativa de condicionar o discurso e a doutrina da Igreja no que diz respeito aos temas políticos. Isto é claramente injusto, porque tornaria a Igreja a única instituição social sem qualquer voz nestes domínios da sociedade. Geralmente, esta acusação visa apenas calar uma voz incómoda para a ideologia do acusador. A Igreja tem o imperativo ético de guiar os seus fiéis para uma vivência cristã... e essa vivência inclui, também, a acção dos fiéis a nível social e colectivo. Tais intervenções em nada põem em risco a laicidade. A separação da Igreja e do Estado não significa a separação entre Fé e Política.
Mas o Papa explica muito melhor do que eu a pertinência da Doutrina Social da Igreja num mundo laico e secularizado. Basta ler os parágrafos 9, 11 e 29.
Deste modo, sugiro encarecidamente a todos os católicos (e aos não-católicos de boa vontade) a leitura desta encíclica. Podem consulta-la aqui. Como se trata de um texto muito denso e extenso, tomei a liberdade e resumir a encíclica nos posts abaixo. Tentei não me afastar do significado pretendido pelo Papa e, se o fiz, peço que me corrijam. Além disso, faço notar que o meu resumo não substitui a leitura do original, uma vez que o resumo não contem o encadeamento das ideias ou a riqueza literária da encíclica. Pretendi, isso sim, facilitar a leitura da encíclica por aqueles que estejam menos familiarizados com a Doutrina Social da Igreja, para que estes possam aceder aos maravilhosos conteúdos e verdades que este magnífico texto encerra.
Boa leitura!