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Ano da Fé

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domingo, 15 de julho de 2012

EPÍSTOLA PROFANA DO "ALMA PEREGRINA" AO PROFETA JEREMIAS

"Vós me seduzistes, Senhor, e eu deixei-me seduzir; Vós me dominastes e vencestes. Em todo o tempo sou objecto de escárnio, toda a gente se ri de mim; porque sempre que falo é para gritar e proclamar: «Violência e ruína!» E a palavra do Senhor tornou-se para mim ocasião permanente de insultos e zombarias. Então eu disse: «Não voltarei a falar n’Ele, não falarei mais em seu nome». Mas havia no meu coração um fogo ardente, comprimido dentro dos meus ossos. Procurava contê-lo, mas não podia."

Jr 20:7-9
"Jeremias lamentando a Queda de Jerusalém"
Rembrandt van Rijn
ca. 1630

***
Meu muito caro irmão:

Não sei muito bem o que me deu, hoje resolvi escrever-te... Achei que irias gostas, uma vez que nunca recebeste muitas cartas, nem quando caminhavas nesta terra, nem agora, quando já mereceste o Céu. Bem, pensando bem, agora já não importa... afinal já tens tudo aquilo que poderias desejar. Mas, se fosse eu, acho que não conseguiria evitar sorrir diante de uma atitude tão patética como esta de querer agradar quem já é totalmente feliz.

Poderia ter escrito ao Isaías, ao Elias, ao Daniel, tantos! Mas, quando leio as palavras deles na Bíblia, parecem-me tão perfeitos, tão esfíngicos, tão super... Enfim, tão distantes daquilo que sou.

Tu não. Nunca tiveste pejo em mostrar-te tal como és. Fraqueza e pecados e tudo! Queixavas-te e rezingavas e resmungavas e lamentavas-te.

Os estudiosos talvez aproveitem essa tua característica para pôr em causa a tua santidade. Eu, todavia, agradeço-te a honestidade. Se não fossem as tuas palavras, provavelmente eu consideraria que a minha alma era demasiado impura para ter qualquer esperança de salvação.

Não me desejo comparar a ti. Não me é possível. Afinal de contas, tu foste um profeta de Deus. Eu não faço ideia do que sou. Deus nunca abriu as nuvens para me dizer numa coluna de luz: "Faz isto" ou "Diz aquilo". Talvez eu tenha pretensões de ser mais do que aquilo que Deus planeou para mim. Talvez me tenha apropriado da Sua autoridade sem razão. Talvez os meus fracassos sejam prova viva disso. Uma única coisa eu sei: sirvo-O honestamente, mesmo que seja apenas uma miragem d'Ele que eu sirva.

Todavia, apesar de não me desejar comparar a ti, sinto que não posso deixar de me comparar.
Não comparar-me na tua força, constância, zelo e virtude. Mas, precisamente, nos teus queixumes. Quem me dera ter estado aí, há 2.500 anos para te dizer: "Deixa lá, pá! Eu sei como te sentes...". Acho que tu terias apreciado. Eu sei que teria apreciado.

Tal como tu, também eu vivo num país outrora fundado na fé em Deus... e que se afastou desse caminho.
Este país, tal como o teu, tornou-se o ninho de toda a espécie de injustiças, de todo o tipo de opressão ao "orfão e à viúva". Os órfãos e as viúvas agora são outros... mas a injustiça é a mesma.
Este país, tal como o teu, vive sob o domínio de todo o tipo de idolatrias, desde Mammon a Moloch.
E este país, tal como o teu, corre o risco de cair no poder de uma potência estrangeira, sem escrúpulos nem misericórdia.

Perante isto, o meu coração berra de revolta! Como posso não me revoltar? Como posso estar calado? Se calhar assumi uma missão que não me pertencia... terá sido por ter pavio curto, por falta de controlo, por soberba? Mas como posso apagar este fogo que tenho no coração?

Mas agora, berrei tanto e tanto, que fiquei rouco.
E nem uma pedra se moveu.
Nem um olhar se voltou.
Nem um coração voltou à vida.
Nem uma alma se comoveu.

E eu rouco no meio da praça...

Procurei compreender os outros, ser intelectualmente honesto, fundamentar bem os meus argumentos, ser educado...

Quais os frutos? Oh, muitos! Mas todos azedos!
Há quem não leve a sério nada do que digo, por muito bem fundamentado que seja! Há quem fique zangado e esconda a cabeça debaixo da areia! Há quem simplesmente se divirta a deturpar o que eu digo, pondo palavras na minha boca simplesmente para me desautorizar! Há quem se limite a escarnecer, mandando piadas de mau gosto e depois desparecendo nas sombras! Há quem censure, sem ler ou escutar! E, finalmente, há quem simplesmente ignore...

Foi para isto que tive de me assumir como católico? Foi para isto que tive de ser testemunha? Para ser sempre pedra de tropeço e nunca degrau de salvação? Para ser olhado com medo, como se de um monstro se tratasse? Para ser crucificado em solidão?

Ora bolas! Eu não preciso disto! Eu não quero isto! Mais me valia passar o dia todo a jogar Playstation! Eles querem esta mediocridade? Eles que a levem toda e se engasguem nela! Que tenho eu a ver com isso?

Como é que se apaga este fogo do coração, Jeremias? Estou farto de amar, de consumir-me de amor, por quem não deseja minimamente corresponder!!! Que desespero! Como se apaga este fogo? Como se apaga???!

...

...

...

Acho que não sabes...

Ou não me queres dizer...

Ou se calhar estás a olhar para mim severamente a dizer: "Esse fogo não se apaga, minha grandessíssima besta!".

Pois não, pois não. Mas quem me dera que assim fosse...

Fica então em forma de testemunho, esta minha confissão. Para que as pessoas não pensem que eu desejo armar-me em santo, ou que me julgo o maior. Quando falo, falo para defender algo que é muito mais digno do que eu, algo que é muito mais precioso do que esta porcaria que eu sou.

O órfão/embrião, a viúva/desempregado, a Verdade, Deus...
Quem me dera que houvesse mais defensores destas coisas... assim, eu poderia descansar.

Bem, esta minha carta saiu uma treta. Mas, já que não me é possível pôr-te mais feliz do que aquilo que já és, Jeremias...
Mas talvez consiga, ao menos, tornar algum cripto-leitor menos só...

Abraços, irmão!
Reza por mim!

Do teu: "Alma Peregrina"

4 comentários:

Unknown disse...

Não te sintas só...

Paz contigo!

Alma peregrina disse...

Obrigado pelas palavras, MD!

Pax Christi para ti também!

joaquim disse...

Reza o Jeremias por ti e rezo eu também, que tão bem compreendo estas tuas palavras escritas.

Às vezes, só às vezes, apetece dizer: "não querem ouvir, não ouçam! Depois não digam que não avisámos!"

Mas Ele não deixa, e insiste que continuemos, porque há sempre alguém que ouve, nem que seja só um, nem que seja nós próprios, que assim vamos fazendo caminho para Ele.

Um abraço amigo em Cristo

Alma peregrina disse...

Grandes verdades, Joaquim.

Mas é muito custoso quando é só para nós próprios...

Acredito que, um dia, todo o nosso esforço acabará por dar algum fruto, por mais humilde que seja. De outro modo, que sentido teria?

Obrigado pelas tuas palavras.

Pax Christi