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Ano da Fé

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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

PERGUNTAS DE UM LEITOR...

O Império (um blogger amigo com o qual já tive uns debates intelectualmente interessantes) concedeu-me a honra de visitar o meu blog e fazer-me as seguintes questões:
"1 - Como encara pessoalmente a existência do sofrimento no mundo? Isto é, como se compatibiliza a ideia de um deus bondoso, que nos ama, que é nosso pai e que apesar de ser omnipotente permite a existência de sofrimento no mundo? Sei que existe o livre arbítrio e também existe a existência do diabo mas mesmo assim, porque deus não intervém nas situações de grande sofrimento? E qual é a posição oficial da Igreja Católica?

2 – Ouvi dizer que o Vaticano aboliu a existência do Inferno tal como já tinha feito com o Purgatório. É verdade?"

Para não alongar demasiado o meu blog, darei as respostas na caixa de comentários

27 comentários:

Alma peregrina disse...

"1 - Como encara pessoalmente a existência do sofrimento no mundo? Isto é, como se compatibiliza a ideia de um deus bondoso, que nos ama, que é nosso pai e que apesar de ser omnipotente permite a existência de sofrimento no mundo? Sei que existe o livre arbítrio e também existe a existência do diabo mas mesmo assim, porque deus não intervém nas situações de grande sofrimento? E qual é a posição oficial da Igreja Católica?"




Aqui, vou começar pela última pergunta. Qual é a posição oficial da Igreja Católica? Bem... nenhuma, acho eu. Ao contrário do que é muitas vezes dito na praça pública, a Igreja não é muito dogmática. Na maior parte dos casos, a Igreja permite o debate e a diversidade de opiniões (limitando-se a definir os limites a que o debate deve obedecer de forma a não descambar em contradições entre diversas partes da doutrina)



É o caso da questão do sofrimento. Existem várias explicações, desde o antiquíssimo Livro de Job até às teodiceias de Leibniz. Acho que todos os teólogos dignos desse nome se debruçaram sobre essa matéria. Existe uma diversidade enorme de respostas a essa questão, basta escolher a que mais lhe agradar.




No entanto, darei a minha interpretação pessoal... porque foi isso que você me perguntou.

Ora bem, eu sou uma pessoa que, mercê da minha profissão, lida muito com pessoas em sofrimento. E não se trata de um sofrimento decorrente do pecado dos homens. Trata-se do sofrimento da doença, muitas vezes terminal.

De facto, muitas vezes as pessoas vêm ter comigo e perguntam: "Porquê? Por que Deus permite isto?"

Eu, por outro lado, raramente me pergunto "porquê". Eu pergunto-me: "O quê? O que é que Deus quer que eu faça?"

Portanto, parece que eu aqui me estou a escusar de fazer uma reflexão fundamental. Todavia, eu não diria isso. Trata-se de uma subtileza que altera radicalmente a minha forma de pensar em relação à forma convencional de pensar. A subtileza que consiste em colocar a tónica da questão em Deus... ou no Homem.




Por isso, vou fazer-lhe a vontade e colocar a tónica da questão em Deus. "Por que Deus não actua mais no sofrimento dos homens?"

Antes de nos perguntarmos por que Deus não actua, talvez fosse bom definirmos como Deus deveria actuar para satisfazer as nossas preocupações. Caso contrário, nunca poderemos saber se Deus está realmente a actuar ou não.

Na minha óptica, Deus apenas poderia actuar de 3 formas:

a) Deus criava o Homem e os anjos como autómatos, sem qualquer livre arbítrio. Ou seja, toda a criação de Deus existiria unicamente para O servir e nada mais. Tenho a certeza de que um ateu (que não poderia existir neste mundo hipotético) criticaria este procedimento de Deus. Chama-lo-ia "egoísta" e "aproveitador".


b) Deus criava o Homem e os anjos com livre arbítrio, mas seria bastante interventivo. Seria impossível escolher o Mal, porque Deus instituiria castigos pesados para a mais leve falta. Noventa e nove por cento da Humanidade acabaria no Inferno e o nosso ateu chamaria Deus de "déspota" e "tirano".


c) Deus criava o Homem e os anjos com livre arbítrio, mas seria pouco interventivo. O sofrimento grassa no Mundo, decorrente dos pecados do Homem e das maldades dos demónios. Deus é apelidade de "inclemente" por não actuar mais.



Portanto, parece-me que Deus Se encontra num profundo dilema moral. As pessoas do mundo passam metade do tempo a queixarem-se de que Deus se mete demasiado nas suas vidas (nomeadamente quando há conflito entre as regras morais da Igreja e as concepções pessoais de cada indivíduo)... e a outra metade do tempo a queixarem-se de que Deus não se mete o suficiente nas suas vidas (permitindo o sofrimento).




O que é que as pessoas querem realmente? Bem, elas querem um Deus que supra todas as suas necessidades, mas que não lhes exija nada. A bem dizer, não querem um Pai, mas um mordomo.

Alma peregrina disse...

O certo é que a Humanidade, desde os seus primórdios, escolheu abandonar Deus... e Deus encontra-se muito limitado na Sua forma de agir. Por um lado Ele quer respeitar as nossas escolhas. Por outro lado Ele quer proceder de forma ética e justa. E, finalmente, Ele quer ser nosso Pai e quer que nós sejamos Seus filhos.




Sucede que Deus é muito inteligente e resolveu este dilema de uma forma brilhante. Tal como desde os primórdios, os homens e os demónios O rejeitaram... também desde os primórdios, Deus usou os homens para avançar o Seu plano. Surge aqui uma quarta forma de agir:

d) Deus cria o Homem com livre arbítrio e, perante a escolha do Mal, coopera com o Homem para a obtenção do Bem.




E aqui surge o meu paradigma de pensamento. "O que Deus quer que eu faça?"

Deus intervém na Humanidade. Ele permite o sofrimento, mas dá-nos os recursos para o transcendermos. Que recursos são esses? Nós próprios! Por muito sofrimento que exista no Mundo, existem sempre muitas pessoas que podem ajudar os que sofrem. Ou, como dizia Gandhi "A Terra tem o suficiente para sustentar as necessidades de todos os homens, simplesmente não tem o suficiente para sustentar a ganância de todos os homens".

Se eu quero que Deus intervenha na Humanidade, tenho de ser eu a perguntar-me: "O que Deus quer que eu faça?". Não se trata de O seguir dogmaticamente e cegamente. Trata-se de cooperar com Ele.





Àqueles que sofrem, também se aplica a mesma pergunta. Sabendo que Deus é um Pai que nos ama... é natural que Ele não queira que soframos. Portanto, se estamos a sofrer, precisamos de nos perguntar: "O que Deus quer que eu faça?". Geralmente, Deus quer que nós aproveitemos essa oportunidade para crescer. Não nos podemos esquecer que a Humanidade renegou Deus e agora precisa de O reencontrar. Mas só O pode reencontrar, se ela própria percorrer o caminho de volta. É preciso que a Humanidade largue as fraldas do seu egocentrismo e se torne mais adulta. Afinal, Deus-Pai quer partilhar com os Seus filhos o "negócio de família" que é o Mundo. E, tal como na família terrestre, eu não vislumbro nenhuma forma de uma criança crescer sem ser através da experimentação de diversas frustrações. É uma realidade dura, mas a verdade é que não é possível educar uma criança ao dar-lhe tudo o que ela quer, sem nunca a fazer sofrer. Parte da maturidade consiste em conseguir suportar o sofrimento para obter valores maiores e mais humanos.



Se não existisse o Mal, a pessoa que sofre não poderia crescer, transcendendo o seu sofrimento. E eu não poderia crescer, ao ajudar a pessoa que sofre. Ninguém deseja o Mal, mas a verdade é que ele existe. Não foi por culpa de Deus e Ele também abomina o Mal. Portanto, por que não nos aliarmos a Ele? É a melhor estratégia!




Em última reflexão, devo fazer notar que, no Cristianismo, nós acreditamos que Deus interveio muito fortemente no Mundo. Nós acreditamos que Deus Se fez Homem, a fim de nos mostrar o caminho da verdadeira felicidade. E Deus fez algo absolutamente notável. Reconfortou todos os sofredores que viu. E sofreu. Sofreu tudo o que era possível ao Homem sofrer. Inclusivé (e eu acho isto de uma sensibilidade extraordinária), Deus experimentou a Sua própria ausência (o célebre "Meu Deus, Meu Deus, por que Me abandonaste?" na Cruz). Tudo para nos provar que era possível! Que o Homem pode redimir-se! E, ao ressuscitar, Deus provou que existe esperança para os que sofrem... a esperança de um Mundo sem sofrimento para aqueles que mostrarem que desejam construir um tal Mundo em conjunto com Deus.

Alma peregrina disse...

"2 – Ouvi dizer que o Vaticano aboliu a existência do Inferno tal como já tinha feito com o Purgatório. É verdade?"


É falso. Uma falsidade propalada por meios de comunicação social sedentos de notícias bombásticas... mas que são profundamente ignorantes acerca de Religião. A propósito disso, também o aconselho a nunca acreditar no que os media dizem acerca de notícias de Medicina. São dois temas que eu conheço e são dois temas em que os jornalistas erram despudoradamente. Se quer um conselho, informe-se sempre em jornais e revistas de referência das especialidades que deseja investigar.



O que sucedeu realmente foi isto. Nem o Inferno nem o Purgatório foram abolidos. O que aconteceu foi que o Papa João Paulo II clarificou a doutrina sobre o ne o Papa Bento XVI a doutrina sobre o Limbo (não o Purgatório, se bem que as pessoas tendem a confundir os dois).




O Papa João Paulo II disse que, mais do que um local, o Inferno era um estado de espírito. O estado espírito da alma que vive em rejeição de Deus.

Isto não significa que o Inferno não exista.

Um estado de espírito existe.

O Inferno existe, mesmo cá na Terra. Existe em qualquer lugar em que Deus (ou o Seu Amor) é rejeitado.

No entanto, é inútil procurar um sítio chamado Inferno. Porque o Inferno não é um local físico. Para já. Quando Deus recriar o Mundo (como nós acreditamos que o fará), aí Ele criará um lugar para todos os que O rejeitaram. Só aí o Inferno se tornará um local físico. Um local físico que imitará essa ausência de Deus em que as almas viveram.



Quanto ao Limbo, é outra coisa completamente diferente. Devido a diversas minudências teológicas que me ultrapassam... muitos teólogos chegaram à conclusão de que as almas que não foram baptizadas não poderiam entrar no Céu. O que criava um problema: então, se Deus é justo, como é que Ele poderia condenar ao Inferno as almas de bebés que morreram antes do baptismo... ou de pessoas boas que nunca tiveram a hipótese de ser baptizadas?

Alguns teólogos avançaram com uma hipótese. Existiria um local longe de Deus (e, portanto, por definição, no Inferno) mas onde não existiria qualquer sofrimento. Era isso o Limbo.

A hipótese do Limbo ganhou muita popularidade, ao ponto de se tornar a opinião maioritária dos teólogos de séculos passados.

Perante alguns abusos que tinham vindo a ocorrer, o Papa Bento XVI limitou-se a reiterar: o Limbo não é doutrina oficial da Igreja Católica. Nunca o foi.



Portanto, se uma pessoa quiser acreditar no Limbo, é livre de o fazer. Mas se acreditar que existe outra hipótese, é livre de a aceitar também. A única coisa que o Papa Bento XVI exige é que nós acreditemos que Deus será misericordioso para com as almas justas que morreram sem baptismo.



A Igreja não é dogmática, a não ser que tal seja imprescindível.

joaquim disse...

Se me permites meu amigo uma "colherada", gostaria de acrescentar que o Limbo era a maior parte das vezes entendido como o "sitio" onde estariam as almas das crianças não baptizadas, por qualquer razão.

Assim as crianças não tendo culpa não poderiam "aceder" à visão de Deus mas ficariam naquele Limbo até que Ele viesse novamente.


O que a Igreja diz é isso mesmo que não é Doutrina da Igreja e que as crianças por serem inocentes, se acredita que estarão na presença de Deus.

Quanto ao sofrimento devemos ter sempre em conta que grande parte dos sofrimentos do homem são por ele mesmo provocados, e não falamos só das guerras e cataclismos, mas também de doenças que o próprio homem vai provocando com intervenções no meio ambiente, social e humano.

E como dizes e muito bem: Então Deus deve intervir ou não?
E deve intervir quando e como?
Chegariamos quase á conclusão que competiria ao homem determinar quando Deus devia intervir, o que negava à partida a essência de Deus.

Desculpa a "adenda" um pouco "atabalhoada".

Abraço amigo em Cristo

Alma peregrina disse...

Obrigado pela adenda Joaquim!

;)

Pax Christi

O Império disse...

Bom dia Kephas.

Quanto à 2ª questão, perdoe-me, mas não estou muito esclarecido.

1 - “O Papa João Paulo II disse que, mais do que um local, o Inferno era um estado de espírito. O estado espírito da alma que vive em rejeição de Deus.” Então a concepção original do inferno desapareceu. A ideia que as almas dos pecadores vão para o inferno é errada? Nenhuma alma vai para o inferno (fogo, enxofre, tortura para toda a eternidade)? Andaram a enganar de uma forma muito cruel muita gente durante muito tempo…

2 - “O Inferno existe, mesmo cá na Terra. Existe em qualquer lugar em que Deus (ou o Seu Amor) é rejeitado.” Como eu rejeito o amor de deus quer dizer que eu estou no inferno (o tal estado de espírito)? Se estou no inferno, digo-lhe que não é tão mau como eu pensava porque sou uma pessoa muito feliz.

O Império disse...

Quanto á primeira questão:

1 - “d) Deus cria o Homem com livre arbítrio e, perante a escolha do Mal, coopera com o Homem para a obtenção do Bem.”

e) Deus criava o Homem e os anjos com livre arbítrio e criava um mundo sem sofrimento e sem maldade.

Parece-lhe impossível esta hipótese? Para mim é muito fácil conceber a existência de um mundo assim. O livre arbítrio não implica necessariamente a existência do mal ou a existência do sofrimento. Bastava que Deus tivesse criado o Homem sem maldade e que não tivesse permitido a existência de demónios e de Satanás. Parece-me bastante simples. E isso não origina um ser humano autómato, apenas origina um ser humano com mais uma limitação (a inexistência da maldade) do que aquelas que temos actualmente.

Deus não se encontra num profundo dilema moral, afinal ele é omnipotente e omnisciente por definição. Por definição, deus não tem dilemas que não possa resolver. Tenho a certeza que se ele existisse nos termos em que os Cristãos o definem ele teria uma alternativa melhor que a minha.

Repare que desta vez não estou a recorrer à ciência, estou a recorrer à emoção, à intuição e à minha sensibilidade como ser humano (e um pouco de lógica à mistura).

O que eu contesto é a noção de “Pai bondoso”. Nós, seres humanos somos muito mais capazes de ser melhores pais do que Deus. Como pai, faria tudo que estivesse ao meu alcance para evitar o sofrimento dos meus filhos e ainda assim dar-lhes uma boa educação. E repare que eu não sou, obviamente, omnipotente.

2 - “É uma realidade dura, mas a verdade é que não é possível educar uma criança ao dar-lhe tudo o que ela quer, sem nunca a fazer sofrer. Parte da maturidade consiste em conseguir suportar o sofrimento para obter valores maiores e mais humanos.”

Neste caso você está a comparar a educação de um pai humano (com poderes limitados) com a educação de um pai divino (com poderes ilimitados). Parece-me que não o pode fazer. Porque se deus quer um Homem maduro com valores maiores e mais humanos pode transformá-lo nesse sentido de infinitas formas diferentes sem incluir o sofrimento e o mal. Afinal se ele é omnipotente e omnisciente, tenho a certeza que ele se lembraria de alguma forma de o conseguir sem incluir o mal e o sofrimento á mistura (se eu consigo imaginar esse cenário ele conseguiria também).

3 - “Ninguém deseja o Mal, mas a verdade é que ele existe. Não foi por culpa de Deus e Ele também abomina o Mal.”

Não foi culpa de deus? Porque permitiu ele a existência do mal? Quem tem muito poder também tem muita responsabilidade, é uma lógica moral humana incontestável. Quem tem todo o poder tem toda a responsabilidade. Você diz que a humanidade tem que se tornar mais adulta, eu digo que temos que tratar deus como um adulto.

4 - Quando me diz que devemos perguntar: "O quê? O que é que Deus quer que eu faça?", não lhe parece uma tirania deus (que tem todo o poder) pedir-nos a nós (que não temos poder nenhum já que ele está todo em deus) para resolvermos a questão do sofrimento e da maldade?

Por fim, diz-me que trabalha em Medicina (suponho que seja médico), deve ter presenciado muito mais sofrimento do que eu (sou Eng. Civil). Apelo por isso á sua sensibilidade e intuição como ser humano (vamos esquecer “o campo de batalha da ciência” por enquanto) e concorde comigo quando lhe digo que só é moralmente digno quem faz tudo o que está ao seu alcance para acabar com o sofrimento dos outros. Por esta lógica deus não é moralmente digno ou então deus não existe (como sabe eu penso que a ultima hipótese é a verdadeira).

Um abraço

PS.: Proponho-lhe que veja este vídeo e me diga o que acha:

http://www.youtube.com/watch?v=Gfa88SeNohY&feature=fvw

Alma peregrina disse...

Caro O Império:

Em relação à 2ª questão...

Você diz: "Então a concepção original do inferno desapareceu. A ideia que as almas dos pecadores vão para o inferno é errada?"

O que eu disse foi: "O Papa João Paulo II disse que, MAIS DO QUE UM local, o Inferno era um estado de espírito. O estado espírito da alma que vive em rejeição de Deus."

"No entanto, é inútil procurar um sítio chamado Inferno. Porque o Inferno não é um local físico. PARA JÁ. QUANDO Deus recriar o Mundo (como nós acreditamos que o fará), aí Ele criará um lugar para todos os que O rejeitaram. SÓ AÍ o Inferno se tornará um local físico. Um local físico que imitará essa ausência de Deus em que as almas viveram."





Quanto à sua ideia: "Como eu rejeito o amor de deus quer dizer que eu estou no inferno (o tal estado de espírito)? Se estou no inferno, digo-lhe que não é tão mau como eu pensava porque sou uma pessoa muito feliz."


Dois erros nesta sua lógica.

Você pode ter rejeitado Deus oficialmente (ou antes, rejeitado a ideia de Deus que você tem na cabeça) e não O ter rejeitado na prática.

Você pode acreditar que está feliz, porque não conhece nada melhor (i.e. o Céu).



Não existe nada na Doutrina da Igreja que afirme que um ateu não possa entrar no Céu. Ou que um cristão não possa ser condenado ao Inferno. O estado da alma é a proximidade ou o afastamento de Deus. Como apenas Deus conhece o estado da alma de cada um... apenas Deus pode dizer se você está no Céu, no Inferno ou no Purgatório. Isso é entre você e Deus.

Alma peregrina disse...

Quanto à sua hipótese e)
1-
"Deus criava o Homem e os anjos com livre arbítrio e criava um mundo sem sofrimento e sem maldade."




Note o que você disse logo na frase a seguir: "Bastava que Deus tivesse criado o Homem sem maldade e que não tivesse permitido a existência de demónios e de Satanás."

Primeiro, as pessoas sobrestimam muito Satanás. É verdade que Satanás tenta a Humanidade, mas é a Humanidade que escolhe. Não é preciso existir Satanás para a Humanidade escolher o Mal.

Segundo, você está a condenar os demónios (e, presumo, também as pessoas) que escolheram o Mal à inexistência. O que corresponde, de uma forma grosseira, à alínea b).




Mas, por favor, elabore um pouco mais. Descreva-me esse mundo da alínea e). Descreva-me como esse mundo seria no acto da Criação. E descreva-me como esse mundo seria 1.000.000 anos após a Criação. Teria mudado alguma coisa? Se sim, porquê (dado que não existia sofrimento para começar)? Se não, como é isso compatível com 1.000.000 de anos de escolhas livres? E Deus? Seria um Pai... ou um criado da Humanidade?

2- "Neste caso você está a comparar a educação de um pai humano (com poderes limitados) com a educação de um pai divino (com poderes ilimitados)."

Deus tem os seus poderes limitados. Limitados pela ética e pela nossa liberdade.

A educação faz-se mediante crises e a resolução dessas mesmas crises. Uma criança que jamais experimenta nenhuma crise é uma criança mimada que precisa que o pai faça tudo por ela.

Acho que o seu mundo da alínea e) seria assim...

Um bom pai não afasta todas as crises do seu filho. Pelo contrário, ensina o filho a ultrassar essas crises. Só assim o filho se pode tornar adulto.

É assim que a educação funciona.



3- "Você diz que a humanidade tem que se tornar mais adulta, eu digo que temos que tratar deus como um adulto."

Faz parte de um carácter adulto respeitar as decisões daqueles dos quais discordamos. Faz parte de um carácter adulto não impôr a nossa personalidade nos nossos filhos. Faz parte de um carácter adulto proceder de uma forma ética, ainda que, para isso, se tenha de sacrificar o óptimo.


4- "Quando me diz que devemos perguntar: "O quê? O que é que Deus quer que eu faça?", não lhe parece uma tirania deus (que tem todo o poder) pedir-nos a nós (que não temos poder nenhum já que ele está todo em deus) para resolvermos a questão do sofrimento e da maldade?"


Eu não disse que nós temos de resolver a questão do sofrimento e da maldade. Eu disse que só podemos resolver a questão do sofrimento e da maldade se COOPERARMOS com Deus. Deus quer COOPERAÇÃO. Nada mais.

Alma peregrina disse...

5 - "Apelo por isso á sua sensibilidade e intuição como ser humano (vamos esquecer “o campo de batalha da ciência” por enquanto) e concorde comigo quando lhe digo que só é moralmente digno quem faz tudo o que está ao seu alcance para acabar com o sofrimento dos outros."


Concordo consigo no geral. Mas não me posso esquecer de uma coisa. Quando eu suturo uma ferida a uma criança, estou a provocar-lhe sofrimento. Um sofrimento que ela não compreende. Por isso a criança irrompe num berreiro enorme. A alternativa é que a ferida poderia infectar e a criança poderia morrer de sépsis. Ou, se a ferida fôr muito grande (por exemplo, um acidente rodoviário), a criança pode morrer pela hemorragia. E é perfeitamente possível que a morte por choque séptico ou hemorrágico provoque menos sofrimento do que se eu lhe suturar a ferida.

A anestesia local aqui é meramente paliativa. O sofrimento é uma sensação subjectiva. Uma criança sofre muito com uma sutura, mesmo que esteja anestesiada.

Por outro lado, um adulto tende a suportar o sofrimento da sutura para não morrer de choque séptico ou hemorrágico.

Mas o adulto já foi criança. Qual é a diferença? É que o adulto aprendeu, com a experimentação de várias crises, a lidar com o sofrimento.



Neste aspecto, a minha profissão ajudou-me muito a compreender como Deus se sente em relação a nós. Um médico pode ser o próprio Dr. House que não resolverá nada se o paciente não cooperar.


Deus é moralmente digno, porque faz tudo AO SEU ALCANCE para reduzir o nosso sofrimento. Mas nós raramente estamos dispostos a fazer tudo AO NOSSO ALCANCE para cooperar com Deus.


Cumprimentos

Alma peregrina disse...

P.S. Quanto ao vídeo de David Attenborough... eu já o conhecia. Para não estender mais este debate (que já tem demasiadas frentes) digo que estamos a tratar precisamente acerca do tema que ele versa no vídeo.

O Império disse...

Caro Alma Peregrina:

Se se sentir ofendido ou incomodado com alguma coisa que eu diga, por favor, avise-me. Não é de todo a minha intenção.

Na mesma ordem: 2ª questão.

Meu raciocínio permanece igual: “QUANDO Deus recriar o Mundo” eu irei para o inferno. Que é “Um local físico que imitará essa ausência de Deus” – Parece-me um local óptimo e igual ao local em que eu tenho vivido com felicidade.

Portanto, depreendo (corrija-me se estiver errado) que a ideia tradicional do Inferno incluída na bíblia e aceite pela igreja durante séculos (fogo, enxofre, tortura, ranger de dentes, etc.) estava errada. Afinal o inferno não é nada disso. É um estado de espírito. Repito: Andaram a enganar de uma forma muito cruel muita gente durante muito tempo…

“Como apenas Deus conhece o estado da alma de cada um... apenas Deus pode dizer se você está no Céu, no Inferno ou no Purgatório. Isso é entre você e Deus.” – Com esta afirmação você acaba a discussão. É uma afirmação da família das “Foi deus. Só deus sabe. Deus move-se por caminhos misteriosos.” – Assim não vamos lá. Trata-se de um argumento infalsificável.

De qualquer forma, se o paraíso é a aproximação a deus, eu não quero ir para lá. Aproximar-me de um deus que não intervém nas situações horríveis que todos conhecemos seria para mim uma vergonha. Pedir-lhe-ia satisfações sobre o comportamento dele e confrontava-o com as suas decisões. Seria uma boa, franca, honesta e directa conversa entre pai e filho. Acha que seria falta de respeito da minha parte?

O Império disse...

Mas para mim o argumento que me move mais e que é mais significativo é o da primeira questão.

Com a minha hipótese e) condeno os demónios à inexistência mas não condeno nenhum ser humano à inexistência. Seriam todos criados sem maldade nem sofrimento. Não corresponde à alínea b).

“E descreva-me como esse mundo seria 1.000.000 anos após a Criação. Teria mudado alguma coisa? Se sim, porquê (dado que não existia sofrimento para começar)?”

Não me diga que acha que o sofrimento é a força motriz das nossas vidas….

Consegue imaginar o paraíso no momento da criação? Adão e Eva, sem maldade, sem sofrimento… Dá para imaginar? Penso que o plano de deus era esse: um paraíso. Mas Satanás estragou tudo. E se ele não tivesse estragado tudo? Ainda viveríamos num paraíso sem mal nem sofrimento. Se me disser que é uma historia simbólica que nada disso aconteceu, então o que aconteceu no inicio? O que criou deus? Um homem e uma mulher com maldade e capazes de sofrer? Então nesse caso deus sempre é responsável moral.

Mas repare que embora eu consiga conceber um mundo sem mal nem sofrimento e a sua evolução temporal, isso é irrelevante para o argumento. Mesmo que eu não consiga conceber idealmente esse mundo, o que importa aqui é que deus consegue (é omnisciente certo?). Tem na mente dele como criar um mundo assim, mas não faz nada.

Você diz: “Deus tem os seus poderes limitados. Limitados pela ética e pela nossa liberdade.” - Então deus é omnipotente ou não é? Se acha que ele não é está a ir contra tudo que foi dito sobre ele até agora. E nesse caso a discussão tem outra dimensão completamente diferente porque não estaríamos a falar do mesmo conceito de deus.

“Um bom pai não afasta todas as crises do seu filho. Pelo contrário, ensina o filho a ultrassar essas crises. Só assim o filho se pode tornar adulto.” – Concordo consigo, mas você está a falar novamente ao nosso nível, ao nível do ser humano. Deus sabe como nos tornar “adultos” sem a existência do sofrimento (é omnisciente) e deus pode fazê-lo (é omnipotente). Se não o faz é porque não pode (não é omnipotente), não quer (não é bondoso) ou não existe. De certeza que sabe que não fui eu que me lembrei deste argumento.


“Faz parte de um carácter adulto respeitar as decisões daqueles dos quais discordamos. Faz parte de um carácter adulto não impôr a nossa personalidade nos nossos filhos. Faz parte de um carácter adulto proceder de uma forma ética, ainda que, para isso, se tenha de sacrificar o óptimo.” – Concordo com tudo o que disse, mas nada disso invalida o meu raciocínio.

“Neste aspecto, a minha profissão ajudou-me muito a compreender como Deus se sente em relação a nós.” – Desculpe, com todo o respeito por si e pela sua profissão, mas não posso acreditar nisso. Mais uma vez, você não é omnipotente, omnisciente e omnipresente. Tenho a certeza que se pudesse salvar um doente terminal com um “estalar de dedos” o faria instantaneamente. Deus está nessa posição, pode salvar o paciente “com um estalar de dedos” mas não o faz. Com todo o respeito, como pode você e qualquer outra pessoa compreender o estado de espírito numa situação destas?

“Deus é moralmente digno, porque faz tudo AO SEU ALCANCE para reduzir o nosso sofrimento.” – Trata-se do mesmo raciocínio anterior. Por definição, tudo esta “ao seu alcance”. Deus não pode, não quer ou não sabe? É ou não omnipotente, omnisciente, omnipresente e bondoso?

Em relação a este argumento (o do sofrimento) a única resposta que achei honesta, corajosa, frontal e coerente vinda de um crente foi: “Não sei.” Envio-lhe em baixo o link para essa “resposta”. E como forma de me aproximar de si digo-lhe que achei extraordinário o discurso do interveniente no vídeo (um padre anglicano julgo).

http://www.ted.com/talks/lang/eng/tom_honey_on_god_and_the_tsunami.html

Um abraço

Alma peregrina disse...

Caro o Império:

Em relação à 2ª questão, não tenho mais nada a acrescentar, porque você não tocou nos meus argumentos. A concepção da Igreja é a mesma de sempre (fogo, enxofre, etc, etc) E é a do Papa João Paulo II. O que eu não percebo é por que as pessoas julgam que as duas são incompatíveis.

E eu não respondi "os mistérios de Deus são insondáveis". Apenas disse que não me posso pronunciar acerca do seu grau de aproximação a Deus. Não posso saber se você está no Inferno ou não. Eu não o conheço, meu caro. Nisso, eu usei a resposta "honesta" que você fala no outro comment: "Não sei".

Alma peregrina disse...

Em relação ao argumento do "não pode, não faz ou não existe", acho que há aqui uma diferença semântica que não permite que você compreenda o que eu estou a dizer.

Deus "pode" ir contra a ética e o nosso livre arbítrio (é omnipotente).

Mas, se o fizesse, Deus estaria a ser incoerente, porque Ele é um Deus que respeita a ética e o nosso livre arbítrio.

Logo, Deus não "pode" ir contra a ética e o nosso livre arbítrio.

Ou seja, Ele tem o poder, mas não tem a autoridade moral para o fazer.

Logo, Deus é omnipotente... mas não "pode" usar a Sua omnipotência para nos incutir o Bem à martelada.

Alma peregrina disse...

Mas agora eu vou ver se consigo dar-lhe um exemplo do que eu pretendo dizer, com base na minha experiência médica. (Peço-lhe que o debate se foque agora unicamente nesta analogia)





Eu sou um médico. Eu posso curar doenças e aliviar o sofrimento. De igual modo, Deus pode curar doenças e aliviar o sofrimento.

Eu, enquanto médico não posso curar a morte. De igual modo, Deus não pode curar o Inferno. Por motivos diferentes dos meus (eu não posso curar a morte por limitações de ordem técnica, enquanto Deus não pode curar o Inferno por limitações de ordem ética). Foi você que disse que "aproximar-me de um deus que não intervem seria para mim, uma vergonha". Portanto, se Deus colocasse o meu caro amigo no Céu, estaria a ir contra a sua vontade. Por isso, Deus não "pode" curar o Inferno.

Portanto, a minha missão como médico será evitar a morte dos meus doentes (não é bem assim, mas digamos que o é). E a missão de Deus será evitar o Inferno das suas criaturas.

Continuemos com a analogia.

Para que um tratamento médico seja eficaz, é necessário que os doentes cooperem comigo para a cura das suas próprias doenças.

Se eu fosse um médico omnipotente, eu poderia curar as doenças, sem que o doente cooperasse nisso.

No entanto, seria sempre necessário que o doente cooperasse a um certo nível. Nomeadamente, o doente teria de me procurar para que eu o curasse.

Se eu curasse o doente, sem que ele me procurasse, eu estaria a cometer uma grave falha na deontologia médica. Porque eu não posso curar um doente contra a sua vontade. Portanto, mesmo que eu fosse um médico omnipotente, não "poderia" curar os doentes sem que eles me procurassem.

Claro que você me diz: "Mas todos os doentes procurariam o médico, porque as doenças provocam sofrimento e os doentes querem evitar o sofrimento."

É o mesmo argumento que você utiliza em relação a Adão e Eva. Se Deus criasse um Mundo sem Satanás, então nunca existiria Inferno... porque Adão e Eva quereriam evitar o Mal que provoca o Inferno. E também não existiria sofrimento, porque Adão e Eva quereriam evitar o Mal que provoca o sofrimento.




Mas agora as coisas complicam-se um bocadinho.

Uma das minhas maiores frustrações prende-se precisamente com a cooperação dos doentes em certas doenças que não provocam sofrimento.

Por exemplo... diabetes, hipertensão. Estas doenças não provocam sofrimento. Mas podem levar a uma morte fulminante por enfarte do miocárdio ou AVC (suponhamos que estas doenças levariam sempre a uma morte fulminante, sem qualquer sofrimento).

É extremamente difícil fazer com que os doentes cooperem nestes casos. Precisamente porque não existe sofrimento. Logo, é mais difícil fazer com que os doentes nos procurem. E eu, enquanto "médico omnipotente", não poderia (eticamente) curar estes doentes sem que eles me procurassem.

Estes casos são ainda mais complicados por causa de um outro factor. As pessoas são diabéticas ou hipertensas em decorrência dos seus comportamentos. Comportamentos que lhes são aprazíveis.

(continua)

Alma peregrina disse...

A diabetes é provocada pelo abuso de açúcares. A hipertensão é provocada pelo abuso de sal. O açúcar e o sal são bons e necessários... mas o seu abuso cria doenças sem sofrimento.

Muitas pessoas preferem a morte a deixarem esses comportamentos abusivos. Ou, pelo menos, é o que elas dizem até terem um acidente cardiovascular. Depois arrependem-se. É assim que as pessoas são (este é o meu pão nosso de cada dia). Elas não são assim por serem más, são assim porque estão de tal modo viciadas que não conseguem fazer uma escolha inteligente.

De igual modo, o pecado não é o uso de uma coisa má. O pecado é o abuso de uma coisa boa (por exemplo, a Avareza é um abuso dos bens materiais, a Luxúria é um abuso da sexualidade, etc...). Todas as coisas são boas, porque todas as coisas foram criadas por Deus. E todas as coisas são necessárias. Desde que se use de moderação.

O que acontece é que as pessoas têm tendência a concentrarem-se de tal modo no prazer desse abuso, que negligenciam completamente o dom da vida que Deus lhes oferece. As pessoas não pecam por serem más. Elas pecam porque escolhem algum bem acessório e o tornam absolutamente central nas suas vidas. Mesmo contra as advertências de Deus de que esse é um comportamento autodestrutivo.

Tal como na diabetes ou na hipertensão, as pessoas podem não sofrer nada com os seus pecados... até ser tarde demais. Até as suas almas estarem tão erodidas, tão destruídas, tão abusadas... que essas almas só servem para a sucata (o Inferno).




Ora, no meu raciocínio anterior, eu cheguei a estas conclusões. Um médico não pode curar uma doença sem ser procurado pelo doente. Logo, um médico omnipotente não poderia curar a diabetes nem a hipertensão, até o doente morrer de enfarte do miocárdio ou AVC. A única coisa que o médico omnipotente poderia fazer para evitar a morte seria advertir o doente para evitar comportamentos de risco. Que é algo que os doentes nem sempre estão dispostos a fazer.



De igual modo, Deus não pode curar o pecado, sem que o pecador O procure. Logo, Deus não poderia curar o pecador, até a sua alma estar verdadeiramente no Inferno. Eu também já referi que Deus não pode curar o Inferno sem cometer uma grave falha ética. Assim sendo, a única coisa que Deus pode fazer é advertir o pecador para evitar o pecado. Que é algo que o pecador nem sempre está disposto a fazer.



O único ponto em que a minha analogia falha... é que o pecado causa sofrimento de uma forma indirecta. Ou seja, o pecado provoca sofrimento a terceiros. Mas geralmente não provoca sofrimento para o próprio que o causa. Ou o sofrimento que provoca é contrabalançado pelo prazer que induz.

Portanto, temos que geralmente as pessoas se queixam dos pecados dos outros. Mas raramente se queixam dos seus próprios pecados. Querem que Deus actue em relação aos outros, mas não a si próprias.

Assim sendo, a minha analogia mantem-se. Deus não pode curar o pecado, porque o pecador não O procura. Ou antes, o pecador não O procura para curar o seu próprio pecado, mas para curar o pecado dos outros. Todavia, os outros também não procuram Deus para se curarem a si próprios. Logo, Deus também não os pode curar a eles.

A consequência disto é que Deus não "pode" actuar, enquanto o sofrimento se alastra pela Terra.





Neste aspecto, Deus pode usar o sofrimento para que nós O procuremos. Que foi exactamente o que eu disse no meu primeiro comentário deste post.

Tal como a criança que sofre profundamente com a sutura da ferida, a fim de evitar a morte por choque séptico ou hemorrágico...

... também o Ser Humano sofre por viver uma vida terrena neste Mundo. Mas esse sofrimento pode ser usado para que nós procuremos Deus, o Médico Supremo. E para que, assim, evitemos a pior morte de todas. O Inferno. E encontremos a melhor Saúde de todas. O Céu. Esse mundo onde não existe mal nem sofrimento.




Você pode não concordar com esta minha resposta... mas não pode discordar que esta resposta é "honesta, corajosa, frontal e coerente".



Cumprimentos

O Império disse...

Caro Alma Peregrina:

“A concepção da Igreja é a mesma de sempre (fogo, enxofre, etc, etc) E é a do Papa João Paulo II. O que eu não percebo é por que as pessoas julgam que as duas são incompatíveis.” – Estou esclarecido. A Igreja continua a dizer que as almas dos pecadores vão para um local com fogo, enxofre, ranger de dentes, etc e em que há ausência de deus. Era só isso que eu queria saber. Agradeço-lhe a sua explicação.

Li com cuidado o que escreveu em relação à questão do sofrimento e compreendo o seu raciocínio. E até consigo aceitá-lo.

Mas quando diz que “Logo, Deus é omnipotente... mas não "pode" usar a Sua omnipotência para nos incutir o Bem à martelada.” o problema aqui é que há milhões de pedidos de auxílio (a deus) no mundo e nada acontece. Que lhe parece daquele exemplo de David Attenborough? Aquela criança de 5 anos que sofre com um verme a devorar-lhe o olho? Parece-lhe que neste caso um “Médico Omnipotente” precisa de um pedido para intervir? Deus está de braços cruzados à espera que esta criança “coopere” com ele… Estou a interpretar mal o que disse?

Você é médico, que lhe parece da doença “Harlequin Ichthyosis”? Parece-lhe que estas crianças não estão a “cooperar” com deus? Por isso é que sofrem? Porque não intervém ele no caso destas crianças? Não tem lógica. Estão a sofrer temporariamente para depois receberem uma recompensa maior? Foi o pecado de outras pessoas que provocou este sofrimento? Se este é o plano de deus é um plano de uma crueldade inacreditável.

Desculpe-me se não tenho o alcance intelectual ou emocional para conseguir perceber se a sua explicação abrange o caso destas crianças. Parece-me que não abrange.

Se me conseguir explicar os casos das crianças que referi anteriormente eu admito que você tem razão.

Um abraço

PS.: que lhe pareceu o vídeo que lhe enviei? (padre anglicano a falar sobre o tsunami)

Alma peregrina disse...

Caro O Império:

Fico muito feliz porque parece que ultrapassamos aqui uma certa incompreensão mútua. Estive a analisar os nossos comentários e notei que há algumas falhas de comunicação que derivam de mundividências diferentes. Tentarei ultrapassar essa discrepância (mesmo em relação à minha forma de pensar), o que é sempre uma tarefa hercúlea. Eheheh

Tem toda a razão ao afirmar que o meu exemplo não abrange essas crianças. Irei debruçar-me sobre isso mais tarde. Infelizmente hoje tive 12h de Urgência e estou cansadíssimo...

Amanhã prosseguiremos, se não se importar.

Cumprimentos

Alma peregrina disse...

Ora bem, meu caro amigo O Império…

Vou tentar prosseguir a minha analogia, mas aviso-o desde já que toda e qualquer analogia tem falhas (caso contrário não seria uma analogia, mas um explanação do facto em si).

A minha analogia mantém-se até esta frase: “Neste aspecto, Deus pode usar o sofrimento para que nós O procuremos. Que foi exactamente o que eu disse no meu primeiro comentário deste post.”

Primeiro ponto em que a minha analogia falha: para atingir este objectivo, Deus tanto pode usar o nosso próprio sofrimento, como o sofrimento dos outros. Veja o caso da Madre Teresa de Calcutá. Pode-se dizer que toda a sua vida foi uma gradual aproximação a Deus, uma procura constante, que se traduziu em ela ser instrumento de Deus para aliviar o sofrimento dos outros. Ela não sofreu nada, comparado com as pessoas que ajudou.

Isto é decorrência do pecado, é certo. O pecado, pela sua natureza, atinge muitas vezes os mais indefesos e inocentes da sociedade. Veja-se o exemplo de Sir David Attenborough. O verme no olho daquela criança. Repare que as infecções parasíticas são uma raridade nos países desenvolvidos. Porque são facilmente prevenidas com medicamentos e medidas de higiene. Actualmente, os países não desenvolvidos apenas não têm acesso a estas medidas simples (e relativamente baratas) por causa de uma gritante disparidade na distribuição dos recursos. Os países desenvolvidos usam mais do que aquilo que necessitam. Mas não tem de ser obrigatoriamente assim. Mais uma vez se nota como o pecado é o abuso de coisas boas, gerando sofrimento a terceiros.

Uma das primeiras coisas que se aprende na licenciatura de Medicina é que a dor (por muito desagradável que seja) tem uma função fisiológica: alertar para a existência de uma ferida ou de um qualquer dano corporal. Se não houvesse dor, como saberíamos que uma dada área do corpo está lesada? Muitas vezes os diabéticos desenvolvem úlceras nos pés porque deixam de ter sensibilidade nessas zonas.

No caso da criança com o verme no olho, o seu sofrimento também é um alerta. Se não existissem estes casos chocantes, será que nós nos daríamos conta das injustiças materiais que estamos a cometer para com os povos não desenvolvidos? Ou será que continuaríamos a abusar desses povos ad eternum? Pelo contrário, este caso choca, fere a nossa sensibilidade humana! Deus usa o sofrimento desta criança para nos aproximar d’Ele, porque Ele também Se choca com as injustiças que nós cometemos, com a nossa falta de espírito fraternal. Se nós procurarmos Deus, poderemos ser instrumentos d’Ele para ajudar estas crianças (e há muitas pessoas que usam a sua fé para irem para estes terrenos ajudar os outros).


Mas nem sempre é assim. Por exemplo, a harlequin ichtiosys é causada por uma malformação congénita. Parece que não existe ninguém a quem possa ser imputado o pecado que induz este sofrimento! E, em boa verdade, parece uma certa injustiça que Deus use estas crianças (bem como a do verme do olho) para o Seu plano divino. Assim parece, mas não é na realidade. Deus irá sempre fazer justiça a quem sofreu. Essa é a Sua promessa nas bem-aventuranças.

Alma peregrina disse...

Para lhe responder a esta sua preocupação, eu vou ter de esclarecer duas diferenças nas nossas mundividências, que provavelmente podem fazer com que nós jamais concordemos um com o outro.

A primeira é a seguinte: qual o mundo que eu considero mais horrível? Obviamente, para um ateu, o mundo mais horrível é um mundo cheio de sofrimento. Para o teísta, não é bem assim. Se você pesquisar as vidas de certos santos, reparará que eles eram alegres e felizes, apesar dos sofrimentos porque passaram. Para um teísta o pior mundo não é o mundo cheio de sofrimento, mas o mundo cheio de pecado. Para um teísta, um mundo cheio de santos sofredores é melhor (e até mais feliz, se entendermos felicidade como um estado de espírito sustentado) do que um mundo cheio de pecadores alegres. Para o teísta este último mundo é o equivalente ESPIRITUAL do fogo e do enxofre do Inferno. O teísta não consegue conceber felicidade no pecado (embora reconheça que o pecado pode ser aprazível).
Provavelmente você já teve a experiência de conhecer pessoas que sofreram várias vicissitudes nas suas vidas e que, apesar disso, mantêm uma paz de espírito incrível, mercê da sua Fé. Se não as conheceu, pelo menos saberá que elas existem! E também já conheceu pessoas que alegadamente teriam tudo na vida e que ainda assim são profundamente infelizes.

Não é possível explicar isto a quem nunca o experimentou… tal como não é possível explicar uma sensação subjectiva a quem nunca a experimentou. Mas à medida que uma pessoa vai evoluindo na sua fé, o seu sofrimento vai diminuindo, independentemente das circunstâncias. Eu posso-lhe garantir que assim é, porque é o que eu sinto. Neste momento, é-me mais fácil aceitar muitos reveses do destino. Ao identificar-me com Deus, reconheço nesses reveses uma oportunidade de crescimento e sinto-os como parte integrante da minha vida. Não os aceito passivamente, mas aceito-os activamente. E sinto-me feliz ao fazê-lo. Sinto-me mais feliz em tais reveses, do que se tivesse muitas coisas e Deus estivesse longe. Neste momento, a privação de Deus é um sofrimento maior do que qualquer sofrimento causado por qualquer outra privação. Este argumento (que não é um argumento em si) é puramente emotivo, mas tem um carácter factual na medida em que foi experimentado por várias pessoas (incluindo por mim).

Se você reler a nossa conversa à luz disto que eu lhe expliquei, conseguirá discernir que existe aqui um grande problema de comunicação entre nós os dois. Porque nós não conseguimos pôr-nos de acordo em relação ao mundo que seria mais perfeito. Você acha que um mundo perfeito seria um mundo sem sofrimento e considera o meu ponto de vista cruel e desumano. Eu acho que um mundo perfeito seria um mundo sem pecado e considero o seu ponto de vista infantil e desresponsabilizador. Sem ofensas, claro. Estou apenas a comentar a nossa conversa.




A segunda diferença é que o teísta não acredita que este mundo é o definitivo. Você pode contestar esta nossa doutrina, mas não pode contestar que essa doutrina é fundamental na nossa mundividência.
Nesse aspecto, como no caso do Limbo, a nossa fé em Deus faz-nos acreditar que Ele jamais condenará uma criança por causa dos erros de seus pais ou dos demónios. Pela nossa doutrina, não há nada que Deus ame mais do que as crianças. O mesmo se aplica à criança com harlequin ichtiosys. Acreditamos que essa criança é uma santa, apenas por causa do sofrimento que experimenta. E acreditamos que essa criança (que agora não compreende o seu sofrimento) irá ter uma eternidade para compreender o porquê do seu sofrimento e para colher uma recompensa maior do que muitos que chegaram à idade adulta poderão alguma vez colher. Não acreditaríamos que Deus é justo se assim não fosse…



Ora bem, estas são as diferenças nas nossas mundividências. Você pode não concordar com o meu ponto de vista, mas foi fundamental clarificar estes pontos (caso contrário, corríamos o perigo de estar a passar um ao lado do outro, sem dialogar).

Alma peregrina disse...

Agora, prosseguindo o debate…


Gostaria de lhe pôr à consideração um texto bíblico que se encontra no capítulo 5 do evangelho segundo S. Marcos. Segundo esse episódio, um homem chamado Jairo pede a Jesus Cristo que venha salvar a sua filha (ela tinha 12 anos, mas podia ser mais nova) que está padecendo de uma grave doença. Jesus acede, mas detém-se a curar uma mulher que sofre há anos de uma hemorragia ginecológica, sem que nenhum médico a consiga tratar. Como Jesus se demorasse, quando chegou a casa de Jairo já a filha tinha morrido. Jairo ficou profundamente perturbado, claro. Mas Jesus acalmou o homem dizendo “A tua filha apenas está a dormir”. Depois ressuscitou-a.

Ora bem, de certeza que, naquele ínterim da morte da menina, Jairo se deve ter questionado: “Este Jesus pode tantas coisas, por que não curou a minha filha? Por que se deteve com uma mulher com uma doença crónica, que poderia muito bem ter sido curada mais tarde? Foi injusto e cruel!”

Mas a questão é que o milagre desta menina se tornou mais impressionante precisamente por causa disso. Se tivesse sido apenas mais uma cura milagrosa, teria sido igual à de tantos curandeiros que por aí havia. Mas tratou-se de uma ressurreição. Algo sem paralelo. Que assim provou a omnipotência de Deus. Na verdade, esta ressurreição (bem como a de Lázaro, que é bem mais comovente e bastante semelhante em termos de circunstâncias) foi o que levou as autoridades judaicas a considerarem Jesus como uma ameaça.


Portanto, a menina sofreu uma morte aparentemente inexplicável… mas que acabou por servir um grande propósito. Quantas pessoas ainda hoje sentem uma grande esperança ao lerem estas palavras! Quantas pessoas vêem neste episódio uma lição de vida! Se a menina não tivesse morrido, Deus não poderia ter demonstrado que o Seu Poder é superior ao da morte!

Claro que o meu amigo me dirá: “Ah, mas isso é o argumento de que os caminhos do Senhor são insondáveis! Um argumento que eu rejeito!”

Mas o meu argumento é um pouco mais subtil do que isso. O meu argumento é este: Deus nunca desampara aqueles que sofrem, mesmo quando isso é aparente. Aqueles que morrem uma morte estúpida irão ressuscitar para uma vida miraculosa! É uma esperança, não uma dúvida! Não há nada de insondável nisso! A grande questão é saber como é que eu intervenho nesta situação. Jesus usou o sofrimento dessa menina, para que Jairo O procurasse. Cristo deu a Jairo o que ele desejava, mas não da forma que ele esperava, nem no momento que ele julgava. Jesus fez justiça à filha de Jairo e não temos motivos para duvidar que fará o mesmo às crianças com harlequin ichtiosys.

Alma peregrina disse...

“Deus pode usar o sofrimento para que nós O procuremos”


Quer saber por que eu penso que existe harlequin ichtiosys? Quero dizer, para além de ser o fruto de um exercício de imaginação mesquinha do Diabo? Porque a harlequin ichtiosys é exactamente aquilo que todos nós padecemos!

É aqui que se encontra a definição tradicional do Inferno e a definição do Papa João Paulo II. O nosso afastamento de Deus conduz-nos ao pecado e nós acreditamos que uma alma afastada de Deus é uma alma doente, que sofre tanto como se um corpo estivesse mergulhado em fogo e enxofre.

O pecado rouba-nos a nossa liberdade de movimentos porque nos vicia. O pecado asfixia-nos lentamente até à morte da alma (que é o Inferno). O pecado é o equivalente espiritual da harlequin ichtiosys.

Como eu já disse, Deus vê-se forçado a ver-nos a asfixiar no nosso pecado. Ele podia curar-nos do nosso pecado com um estalar de dedos, mas não pode fazê-lo sem quebrar a ética (ver a minha analogia Deus = Médico). Apesar da sua omnipotência, Deus sente-Se impotente. Talvez estas crianças sirvam precisamente para ilustrar como Deus Se sente. Como um pai que vê a sua criança a sufocar lentamente sem poder fazer nada, Deus vê os pecadores a sufocarem lentamente no Inferno e não “pode” fazer nada para os ajudar.

Deus vê todos os dias crianças com harlequin ichtiosys. Somos todos nós. As suas crianças. A única diferença é que nós sofremos espiritualmente e as outras sofrem fisicamente. Mas estas últimas serão conduzidas para o Céu, a fim de as recompensar dos seus tormentos. Quanto a nós, isso já não é tão certo. De um ponto de vista espiritual, nós estamos em desvantagem em relação às crianças com harlequin ichtiosys.

Os pais e cuidadores destas crianças podem (e devem) empregar o sofrimento destas crianças para procurar Deus. E, em boa verdade, é o que muitos fazem. Muitos pais tornam-se verdadeiras imagens de Deus, amando incondicionalmente os seus filhos mesmo neste mísero estado (tal como Deus faz connosco). Só assim estes pais podem curar-se da sua própria harlequin ichtiosys espiritual! Só assim todos se podem curar!


Para nós, uma vida sem amor é pior do que uma vida sem sofrimento. Os pais das crianças com harlequin ichtiosys nunca a desamparam, porque a amam absolutamente. E, diga-se o que se disser, isso é um grande conforto para qualquer criança, por muito sofredora que ela seja. Devíamos aprender com isto que Deus nunca nos desampara, que nos ama absolutamente, e que deveríamos retirar o máximo de conforto possível dessa fé, por muitos sofrimentos que encontremos!
Muitas pessoas (independentemente das circunstâncias) conseguem-no!
É isso a definição do Céu!
Quando Deus recriar o Mundo, essas pessoas irão viver num mundo sem sofrimento e sem pecado (esse mundo com que todos sonhamos)!
Porque isso já é a imagem das suas almas!



Lamento se não consegui explicar melhor. É que é muito difícil debater com alguém que tem uma lógica de raciocínio diferente da nossa. Não lhe peço que concorde comigo nem lhe peço que se converta, só peço que respeite o meu esforço…

Alma peregrina disse...

Quanto ao vídeo que você postou... este reverendo parece um pouco ateu a falar. Não por causa do que ele acredita ou não. Mas porque existe uma certa máxima (acho que foi Chesterton quem disse, mas não tenho a certeza) que reza assim: "Os ateus são muito bons a fazer perguntas, mas não a encontrar respostas".


Cumprimentos

O Império disse...

Caro Alma Peregrina.

Começo por lhe dizer que respeito a sua forma de estar na vida. Tem a liberdade de viver como quiser. Mas se o provoco com determinadas afirmações é apenas porque acho fascinante e curioso o facto de haver pessoas cultas, instruídas, informadas e formadas que acreditam literalmente em coisas que eu acho impossível acreditar. E conheci muitas pessoas assim nas igrejas que frequentei.

Temos realmente mundividências diferentes. Eu apenas gostaria que deus evitasse o sofrimento horrível dirigido às crianças (com o restante sofrimento não tenho grandes conflitos emocionais). Você, se eu percebi bem, aceita o sofrimento de uma forma activa e usa-o para crescer. No caso das crianças acha que o motivo é o livre arbítrio e um exercício de imaginação mesquinha do Diabo. E além disso você confia na bondade e justiça de deus e essa confiança em deus leva-o a acreditar que ele tem um plano para estas crianças, que ele tem uma explicação para o sofrimento destas crianças (deduzo isto pela passagem sobre Jesus que referiu). E esta sua confiança em deus leva-o a relegar para segundo plano a questão essencial do pedido de contas a quem tem responsabilidades que é deus. Não pede justificações a deus porque acha que ele tem um plano, uma “carta na manga” e nesse sentido transfere a responsabilidade de deus para o Homem, para si e para mim.

“Mas o meu argumento é um pouco mais subtil do que isso. O meu argumento é este: Deus nunca desampara aqueles que sofrem, mesmo quando isso é aparente. Aqueles que morrem uma morte estúpida irão ressuscitar para uma vida miraculosa! É uma esperança, não uma dúvida!” – Penso que não se trata de um argumento. Trata-se de uma premissa. De uma proposição. Neste ponto chegamos realmente ao que nos divide em termos fundamentais. É a fé. Você acredita, aceita como certo que “Aqueles que morrem uma morte estúpida irão ressuscitar para uma vida miraculosa”. Porque, parece-me que a esperança não existe dissociada da dúvida. Se a duvida não existe não se trata de esperança, trata-se de certeza.

"Os ateus são muito bons a fazer perguntas, mas não a encontrar respostas" (Chesterton)
Vou tentar provar que neste caso não é assim: perante um problema como este (sofrimento das crianças) um crente depara-se com sérias dificuldades para explicar o “porquê”. Um não crente não tem dificuldades: 1- as crianças sofrem porque a Natureza não tem moralidade, 2 - vivemos num mundo em conjunto com micróbios, bactérias, parasitas que não têm um critério moral para seleccionar o seu hospedeiro e 3 - o corpo humano não é perfeito e ainda está em evolução o que implica a existência de doenças, sejam elas de origem genética ou não. 4 – etc.
E um crente depara-se com sérias dificuldades para explicar “porque deus não intervém”. Um não crente não tem dificuldades: deus não intervém porque não existe.

Mas repare que eu nunca tive intenções de “converter” os crentes ao ateísmo. Concordo com muitos escritores do “novo ateísmo” (Christopher Hitchens por exemplo) quando dizem: “Se a fé faz bem à vida das pessoas, óptimo”.

E eu acrescento que não se pode dizer que a fé é racional (e não o estou a dizer no sentido pejorativo). As discussões que temos irão sempre encontrar este ponto: fé é fé. Tendo por base esta premissa, este pressuposto, todas as explicações possíveis daí advêm. É o que está acontecer connosco.
Deus irá repor a justiça, deus irá dar a recompensa àqueles que sofreram, deus irá castigar os que pecaram. Irá mesmo? Você tem fé que sim. Eu não tenho evidências (não estou a falar em provas cientificas) que sim.

Mas penso que nós convergimos a cem por cento quando dizemos que é imprescindível nós humanos intervirmos para evitar estes horrores.

Um abraço

Alma peregrina disse...

Caro O Império:

"Penso que não se trata de um argumento. Trata-se de uma premissa."

Bem, sim. É claro que sim. Afinal de contas, você fez-me estas dúvidas para que eu justificasse a minha fé. Ora, para justificar a minha fé, eu tenho de partir da premissa que a minha fé é verdadeira. Eu não posso responder às suas questões sobre Deus, partindo do pressuposto que Ele não existe. Isso seria absurdo.

Além disso, estamos a usar dois conceitos diferentes de "esperança". Há a esperança no sentido coloquial e há a esperança enquanto virtude cristã. Mas aí já extravazamos o nosso debate.




"Vou tentar provar que neste caso não é assim: perante um problema como este (sofrimento das crianças) um crente depara-se com sérias dificuldades para explicar o “porquê”. Um não crente não tem dificuldades: 1- as crianças sofrem porque a Natureza não tem moralidade, 2 - vivemos num mundo em conjunto com micróbios, bactérias, parasitas que não têm um critério moral para seleccionar o seu hospedeiro e 3 - o corpo humano não é perfeito e ainda está em evolução o que implica a existência de doenças, sejam elas de origem genética ou não. 4 – etc."

Você está a confundir o "como" com o "porquê". Se você me perguntasse os mecanismos fisiopatológicos da doença, também eu lhe responderia isso. Não é preciso ser-se religioso ou ateu para chegar a estas conclusões.




"E um crente depara-se com sérias dificuldades para explicar “porque deus não intervém”. Um não crente não tem dificuldades: deus não intervém porque não existe."

Bem, sim... é verdade que eu tenho de pensar um bocado para encontrar uma explicação. Mas eu também me deparo com sérias dificuldades quando procuro explicar uma série de coisas a nível médico, científico, filosófico, político, etc...

O facto de eu ter de pensar seriamente sobre o assunto é sinal de que eu estou a tentar encontrar respostas. É assim que vamos avançando em todos os campos do saber. Em última análise, é um incentivo ao raciocínio (coisa que muitos ateus negam na prática da religião). A sua resposta é demasiado simples e, sinceramente, deixa muita coisa por explicar... nomeadamente vivências e experiências de muitas pessoas de fé (incluindo eu).




"E eu acrescento que não se pode dizer que a fé é racional (e não o estou a dizer no sentido pejorativo). As discussões que temos irão sempre encontrar este ponto: fé é fé. Tendo por base esta premissa, este pressuposto, todas as explicações possíveis daí advêm. É o que está acontecer connosco."


Exactamente! E eu nunca disse o contrário! Eu acredito como S. Tomás de Aquino... a Razão pode levar-nos até aos confins da Fé, mas não para além deles. Com a Razão, a única coisa que eu posso provar é que o Teísmo é TÃO racional como o Ateísmo (embora não possa provar que é mais racional). Depois, cada um deve escolher aquilo em que está disposto a acreditar (ou não).




Cumprimentos

Alma peregrina disse...

Caro O Império:

Lembrei-me agora de um argumento que pretende explicar o sofrimentos dos inocentes (não só das crianças, mas de todos os inocentes).

É um argumento que está implícito na Bíblia. Por exemplo, no Livro de Job, Deus permite que uma série de vicissitudes afectem Job, que era um homem virtuoso. Job é visitado por três amigos que lhe dizem que, se Deus foi tão cruel para com ele, então é porque Job deveria ter cometido um grande pecado. Claro que Job negou qualquer pecado, porque ele era um homem justo e virtuoso.

Nos Evangelhos, era frequente os discípulos perguntarem a Jesus (quando Ele curava um cego ou um paralítico) qual era o pecado que a pessoa enferma tinha cometido para merecer essa doença. E Jesus respondia que não tinha cometido pecado nenhum...




Estas reacções dos amigos de Job e dos discípulos derivavam de uma interpretação legalista de Deus. Se uma pessoa era afligida por sofrimento, era porque o merecia. Por isso, em vez de usarem a Lei para se melhorarem a si próprios... usavam a Lei para oprimir os outros. E as pessoas doentes eram consideradas grandes pecadoras e estigmatizadas.





Imaginemos que apenas as pessoas pecadoras sofriam. Corríamos o risco de que sucedesse algo semelhante ao supramencionado. Se o propósito do sofrimento chamar-nos para nos assemelharmos a Deus... então uma tal concepção do sofrimento não iria ter qualquer repercussão no Homem.

O Ser Humano (que pode ser bastante mesquinho) iria usar o sofrimento dos outros para os estigmatizar, para os apedrejar, para se afastar deles... em suma, não usaria o sofrimento alheio para crescer em Amor.




É necessário que haja pessoas inocentes a sofrer. Para que nós não nos coloquemos no lugar de Deus, a julgar que aquela alma sofredora não é digna de assistência. Precisamos de ter motivos para nos compadecermos, para nos aproximarmos, para nos doarmos e, assim, para crescermos com o sofrimento (próprio ou alheio).



Cumprimentos